Ontem falando com meu pai, ele mais uma vez disse que conversou com um amigo médico que mais uma vez garantiu que se não tive que passar por quimioterapia, devo considerar-me curada. Quando meu pai contou ao amigo médico que eu vinha fazendo umas pesquisas na internet sobre a doença, o amigo disse que o melhor que eu tinha a fazer era parar com aquilo, deixar toda a minha experiência no passado e esquecer tudo de ruim que havia vivido. Meu pai fez o mesmo pedido, afinal ele não quer ver meu sofrimento prolongado. Mas será que é isso mesmo que devo fazer?
Confesso que há tempos venho pensando nesta questão e vivo um dilema. Tenho um lado "panfletário" que quer espalhar esta história aos quatro ventos, pois acredito que tenho o dever de mostrar aos outros que obstáculos surgem na nossa vida para serem vencidos e não há o impossível quando se tem fé e coragem. Este lado meu acredita que não fui poupada a toa e que a minha missão é mostrar que o câncer tem cara -- ele tem a minha cara e a cara de muita gente boa por aí. Muita gente tinha uma vida absolutamente normal até que deixou de ter e passou a encarar grandes desafios dia após dia. Penso que se Deus me deu o dom da escrita e uma vida tão cheia de histórias para contar, minha missão é passar cada uma delas a diante. Não fazer tal coisa seria fugir do meu destino.
Por outro lado, entendo a opinião do amigo médico e do meu próprio pai, que é compartilhada por muita gente. O que passei foi terrível por um lado e magnífico por outro, mas de qualquer forma ficou no passado. As lições aprendidas devem ser levadas comigo, mas o resto não precisa ser lembrado a toda hora. Preciso me livrar do passado para viver o presente sem medo e olhar para o futuro em paz. Tenho que voltar a ter uma vida normal.
Não quero ocupar nenhum pedestal destinado àqueles que passaram por uma prova impossível ou que sobreviream a uma catástrofe. Também não quero o olhar de pena alheio. Não quero nem faixa, nem troféu, nem discurso. Só quero a minha vida normal.
Não sou pior nem melhor que ninguém, sou apenas diferente. Aos que dizem que admiram a minha coragem só tenho a dizer que jamais tive escolha e caso algo parecido acontecesse a qualquer ser humano sano e um mínimo feliz, ele/ela iria fazer o mesmo, afinal ninguém tem duas vidas. Por mais que às vezes (injustamente ou não) reclamemos da nossa vida, ela é a única que temos e merece ser vivida ao máximo, então não vejo mérito nenhum na posição que assumi. Vejo um certo egoismo, isso sim.
A única coisa que me diferencia da maioria das pessoas da minha faixa etária é que tive que conviver com a idéia da doença e da morte numa idade em que a vasta maioria ainda se acha imortal. Também me via assim. Fazia planos detalhados que seguiam certos até a minha velhice, algo que me aconteceria inegavelmente. Mas não foi exatamente isso que aconteceu. Mas também não posso me culpar. Quem, no auge dos seus vinte e tantos ou trinta e poucos anos, começa a se perguntar se o futuro de fato existe? Se pelo menos vai conseguir realizar metade daquilo que sempre sonhou, afinal não existe dúvida que vamos crescer e nos multiplicar, é por isso que colocamos dinheiro na poupança, investimos em cursos de MBA e estamos sempre de olho no amanhã.
Por outro lado, quando somos confrontados com a idéia dolorosa da nossa mortalidade e da nossa fragilidade, ganhamos um entendimento muito mais profundo da experiência humana. Aprendemos que nada nos vêm de graça mas também aprendemos a ser gratos antes de tudo. Quando pequenas coisas, que parecem tão banais para a maioria, se tornam realidade para este seleto grupo, elas têm um sabor muito especial, pois são vitórias incontestáveis. Sempre me vi assim. Não sei se se trata da história da profecia que se auto-realiza, mas na minha vida nunca nada veio fácil, pois sempre tive que suar -- e muito! -- a camisa.
Mas será que vale a pena contar esta história? Ou será que o melhor mesmo é fechar este capítulo na minha vida e seguir em frente?
Mais perguntas para as quais ainda não tenho respostas, mas foi por isso que decidi começar este blog. Quero ao menos colocar meus pensamentos em algum lugar para depois poder ordená-los.
Então fica aqui a pergunta: devo continuar esta minha relação próxima com a doença e obviamente o combate a ela ou devo sepultar de vez este bandido e me poupar um pouco, me ocupando de coisas mais amenas?
5 comments:
Dani, não sei se vc deixou a resposta para nós, mas vou usar uma frase que minha ex-terapeuta me disse na última sessão quanto à uma pergunta minha: "Independente do que sua família ou amigos achem, quem decide é você. O que você quer?". Se está te fazendo bem, continua. O dia que vc cansar, pára. Só não páre de escrever, esse é um dom que é seu. Agora ao ler tanta coisa ruim, reforce seus pensamentos positivos (e os nossos aqui tb estarão reforçados). Que Deus lhe dê muitos motivos para sorrir!!!
Faça ambos, querida. Escreva, divida a experiência com quem precisa dela (tanta gente...), mas também ocupe sua mente com outros assuntos. Você pode conciliar a escrita e atividades diferentes, sei lá, algum curso aí onde mora que te interesse, um hobbie novo, algo que faça você esquecer de tudo e só curtir a vida, que é bom demais fazer isso também, né? Que tal assim? Mas seu coração é que vai decidir. Escute-o. Beijo enorme. Fê.
Dani, faça o que for melhor pra você, mas saiba que, qualquer que seja a sua escolha, o importante pro seu pai, por exemplo, é que você esteja bem.
Minha mãe passou por isso e gosta de conversar a respeito, faz bem a ela. Eu escuto, mas não vou mentir, preferia que ela se esquecesse da experiência. Egoísmo meu. Calo-me, escuto, respondo, argumento e rezo.
Queridia, mais do que isso: é mostrar que (o câncer) tem cara E TEM CURA.
Como lhe falei antes, quando conversamos online, no Rio: na minha familia materna a incidência é 'mama' mas TEM CURA SIM, pois, de uma grande quantidade de tias que tiveram, só duas (em gerações diferentes) não conseguiram vencê-lo pois, pasme, "decidiram não fazer o tratamento". Livre arbítrio, vai entender...
As demais, estão aí "inteiraças", como dizem na gíria.
Minha avó também se curou totalmente dele, aos 80 de idade e bem menos de 50kg de biotipo.
SEMPRE tenhamos fé. É ela que nos sustenta a cada segundo.
Abrowsers to both of you! ;)
Eu sou da turma dos que deixariam as coisas ruins lá atrás no passado e viveria o presente.
Esquece essa doença pra ela poder também te esquecer de vez.
Abs
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