March 17, 2008

Universos Paralelos

Seria possível viver várias vidas diferentes numa mesma existência? Não, meu quesitonamento não se refere à síndrome de personalidades múltiplas, mas sim à multiplicidade de papéis que assumimos durante a nossa vida.

Pausa para reflexão.

Tomemos como exemplo eu mesma, que há um ano me chamava Danielle Machado Duran e hoje me chamo Danielle Machado Duran Baron. Mas engana-se quem pensa que as mudanças ficaram restritas ao meu nome. Mal sabia eu que isso seria somente o começo.

Obviamente há um ano eu morava no Rio, mais precisamente na Barra, onde tinha meu apartamento convenientemente localizado no mesmo condomínio que os meus pais e a menos de um quarteirão da minha irmã. Tinha não só a família próxima, mas uma grande rede de amigos e uma infinidade de conveniências que só fui perceber o dia que não as tinha mais. Trabalhava full-time, jantava com a família e nos fins de semana pouco ficava em casa. Posso contar nos dedos de uma das mãos quantas vezes usei aquele fogão branco novinho em folha. O forno então jamais foi usado. Confesso que cozinha sempre me causou um medo horrível, um desconforto estranho.

Minha rotina era bem estressante. Naquela época, tinha muito mais dúvidas do que certezas e já havia me conformado com meu futuro de solteirona. Se a idéia costumava me dar calafrios quando tinha meus vinte e poucos anos, depois de chegar aos trinta, relaxei: "o que tiver que ser será", pensava. "Se não estiver no meu destino casar e ter filhos, vou tentar ser feliz de outra forma." Este era o meu mantra. Não fazia mais sentido continuar minha busca frenética por alguém que talvez sequer existisse.

Depois da minha primeira experiência com o câncer, mudei muito. Aprendi a me adaptar aos imprevistos, comecei a enxergar o mundo com outras lentes, de um modo mais amplo e até generoso. Por este mesmo motivo a idéia de ter limites me parecia desagradável demais. Apesar de ter sofrido horrores e de ostentar cicatrizes internas e externas capazes de mexer com qualquer um, me recusava a pensar em mim mesma como alguém diferente, alguém mais limitado, alguém doente. Fazia questão de viver a minha vida da forma mais abundante possível, estava determinada a viver cada um dos meus dias como se fosse o último.

Então aconteceu um daqueles momentos que mudam a nossa vida completamente: o Blake me pediu em casamento. Para quem em abril de 2005, durante o casamento da irmã mais nova, não tinha nenhuma perspectiva, ser pedida em casamento em agosto de 2006 é uma baita reviravolta. Apesar dos pesares então eu não seria mais a tia solteirona?! Meus irmãos já estavam até planejando a minha partilha e agora tudo mudava de figura!!! Por esta ninguém esperava. Muito menos eu. Brincadeiras à parte, aquela situação era no mínimo insólita e muito, muito, muito feliz.

Como uma das grandes lições que aprendi com o câncer foi viver o momento, aceitei o pedido depois de uma breve reflexão. "Se eu decidir não me casar com o Blake como vou me sentir daqui a 20 ou 30 anos? Vou conseguir viver em paz com o peso da minha decisão?" Quando cheguei a conclusão que jamais iria me perdoar se tivesse deixado aquela chance escapar, aceitei o pedido na hora! Isso tudo deve ter levado uns 10 segundos.

Quando aceitei me casar com o Blake, sabia exatamente o que aquela mudança significaria para mim. Não era só a mudança geográfica -- sim estaria deixando o Rio e me mudando para Maryland -- mas estaria deixando a vida de mulher independente, solteira e urbana para abraçar a vida de casada com tudo que este adjetivo traz. Mas afinal de que adiantaria liberdade se ela vinha acompanhada de solidão? Preferi rever meus conceitos.

O processo continua. A cada dia que passa revejo mais um conceito que há pouco tempo me parecia absurdo. Hoje além de casada, morando numa cidade pequena, aos poucos assumindo meu papel de dona-de-casa, me arriscando uma vez ou outra na cozinha, mudando a minha alimentação e o modo como vejo pessoas diferentes de mim, pois hoje já não sou quem eu era um ano atrás.

Nestes últimos meses, descobri vários universos paralelos:
  • o universo dos pacientes de câncer e seus familiares, que tiram força e fé só Deus sabe de onde;
  • o universo dos "health nuts" ou fanáticos por saúde, que de fanáticos muitas vezes não têm nada, apenas se propõem a ver a questão da alimentação de uma forma diferente;
  • o universo dos jovens recém-casados que têm muita decisões a tomar e muitos sonhos e a vida toda pela frente;
  • o universo das esposas estrangeiras que abandonam tudo para viver uma história de amor num país diferente e distante;
  • o unverso country de gente que trocou a vida corrida na cidade por mais paz longe dela;
  • o universo dos voluntários, que se dedicam de corpo e alma a uma causa muitas vezes sem ter qualquer ligação óbvia com ela.
São tantos os mundos onde circulo que me pergunto que tipo de pessoa sou e aos poucos vou tentando me descobrir. A cada momento enxergo dentro de mim mesma uma nova faceta que até bem pouco tempo me era desconhecida ou estava sepultada no fundo da minha alma. E aos poucos também vou tentando encontrar a paz dentro de mim mesma para que eu possa circular com a mesmo desembaraço entre todos estes universos diferentes sem o medo de me perder.

2 comments:

Ana Claudia Lintner said...

Dani,
voce nem sabe quanto ler seu blog tem sido bom pra mim. Eu vivo muitos destes "dilemas" (na falta de uma palavra melhor).
Estou em luta com a balanca desde que me mudei aqui pros USA. Alguns dias a gente se entende, noutros nao. Esta semana pretendo caprichar na dieta - vamos ver no que vai dar...
Quanto ao meu casamento e consequente mudanca pra ca - uiiii, quantas mudancas. Algumas a gente sabe de antemao, mas outras, so vivendo na pele, nao e?
Estou na fase de "tentar me encontrar" em meio a tudo que vivi nos ultimos dois anos e acho que ainda estou longe de terminar a tarefa. Mas e a vida...
Um beijo e otimo comecinho de semana pra voce.
*ah, eu tambem sou voluntaria, so que no servico de fono do Henry Ford.

Dani said...

Ana,
Que bom que você tem aparecido por aqui.
Esta luta com a balança é meio que eterna, mas a gente acaba vencendo. Como tudo na vida. Minha próxima meta é fazer mais exercícios... É tanta mudança que passei a encarar a minha vida como eternal work in progress. :)
Beijos e uma ótima semana pra vc tb!