March 15, 2008

Aventura

Sei que o foco deste blog se tornou a minha experiência ao superar o câncer pela segunda vez. Se a minha vida já tinha mudado 90% depois da primeira cirurgia em 2002, depois da segunda, agora em 2008, virou de cabeça para baixo. Este últimos cinco anos têm sido de pura adrenalina.

Depois da minha primeira cirurgia, mudei o meu modo de encarar o mundo, abri meus horizontes, revi meus conceitos e preconceitos e me tornei uma pessoa mais feliz. Tinha convicção de que a pancada tinha sido forte o suficiente e sempre rezava para que Deus não me deixasse esquecer tudo o que tinha passado. O sofrimento, como muita gente sabe, é a forma mais dura de aprendizado e, de um certo modo, de purificação. Ao mesmo tempo que pedia a Deus que me desse saúde e me poupasse de outra experiência terrível como aquela, pedia a Ele que não me deixasse esquecer do quanto havia sofrido, implorava a Ele que o susto da pancada ficasse comigo para sempre. (Eu sei, sou muito esquisita.)

Quando cheguei aqui nos EUA, depois de quase cinco anos de cirurgia, foi que comecei a pensar na forma como tinha enfrentado a notícia. Se acontecesse de novo, o que faria de diferente? Comecei também a pensar em registrar meus pensamentos e talvez os depoimentos de outras pessoas afetadas pelo problema, mas meu maior obstáculo era o tempo. Fazia cinco anos que tinha passado por aquilo tudo, e por mais marcante que uma experiência destas possa ser, o tempo apaga muita coisa, as cores ficam meio desbotadas e o depoimento perde um pouco de impacto.

Então aos poucos fui engavetando o projeto inicial, ou ao menos adaptando a proposta para a minha situação. Meu objetivo era duplo: queria usar minha narrativa como uma forma de catarse e ao mesmo tempo queria documentar a minha caminhada, para que outros pacientes de câncer não tivessem que passar pelo que passei. Ouvia muitas histórias terríveis; muitos finais catastróficos. As histórias dos sobreviventes não chegavam até mim, ficavam perdidas no meio do caminho, talvez porque os sobreviventes estivessem mais preocupados em seguir suas vidas e sepultar o sofrimento do que relembrar o que passaram e inspirar outras pessoas.

Entendo perfeitamente este dilema, pois volta e meia me vejo pensando esta questão. Tem dias que acordo pronta a colocar um ponto final em tudo isso e viver a minha vida como se nada tivesse acontecido. Outros dias acordo ciente de que tenho esta missão de contar a minha história para que outros que atravessam momentos difíceis saibam que podem vencer. Lembro muito bem de como ficava feliz toda vida que via a Patricia Pillar ou a Ana Maria Braga, depois que elas se curaram. Nunca fui fã da Ana Maria, mas depois da doença, passei a ter um respeito imenso por ela, que enfrentou toda a batalha com uma dignidade impressionante. Ela hoje nem precisa falar nada sobre a doença, basta que a vejamos lá na telinha sorridente para saber que ela é uma vencedora.

Não sou Ana Maria Braga, então preciso falar. Preciso dizer que qualquer um pode lutar pela vida. Não escolhemos adoecer, mas podemos escolher ser felizes enquanto nos resta tempo. Às vezes isto pode parecer uma tarefa impossível. Sorrir antes de ter uma agulha enorme perfurando sua veia frágil e já endurecida não é para qualquer um. Quem consegue mostrar-se dócil e simpático depois de uma exaustiva sessão de quimioterapia? Ou manifestar satisfação depois de passar um temporada no CTI? Sei que tudo isso parece impossível, mas temos que entender que ainda estamos vivos e tentar fazer nossa estada aqui neste planeta o melhor possível. Muitas vezes é difícil não se revoltar com um prognóstico destes, mas mais uma vez a escolha é nossa: preferimos viver o resto dos nossos dias (que podem ser muitos ou muito poucos) amargurados ou preferimos aproveitar ao máximo nossa passagem por aqui?

A Kris Carr, autora de Crazy Sexy Cancer, não gosta de chamar o câncer de batalha, pois isto implica que alguém vai sair perdendo e ela prefere não pensar que pode ser ela. Então a Kris se refere à caminhada dela desde 2003, quando descobriu a doença, como uma aventura. Concordo com ela. É uma aventura ou uma viagem que eu certamente não teria escolhido, mas tenho que admitir que teve efeitos maravilhosos sobre mim. O câncer não foi nem nunca será um presente, pois jamais pensaria em dar este tipo de coisa para ninguém, mas é uma aventura sim. É uma viagem de auto-conhecimento que poucos têm a chance de fazer. Não sei bem se é um provilégio, mas com ela aprendi que a fazer várias limonadas com os limões azedos que me são lançados. Espero sinceramente que já tenha digerido a parte mais amarga, pois estou mais que pronta para saborear dias mais doces. Como sempre quis ter uma vida nada ordinária, então só me resta apertar o cinto de segurança

1 comment:

Unknown said...

Oi Dani...
Tivemos a mesma fotógrafa no nosso casamento ( Patricia Figueira) e vim parar aqui nem sei como.
Mas li quase tudo no seu blog...e preciso dizer: Que guerreira vc é.
Sorte e Saúde pra vc.
Beijo grande.