January 31, 2008

A felicidade é uma jornada e não um destino


For a long time it had seemed to me that life was about to begin -- real life. But there was always some obstacle in the way, something to be got through first, some unfinished business, time still to be served, a debt to be paid. Then life would begin. At last it dawned on me that these obstacles were my life. Happiness is the way. So treasure every moment you have and remember that time waits for no one. Happiness is a journey, not a destination.

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Durante muito tempo me parecia que a vida estava prestes a começar -- a vida de verdade. Mas havia sempre algum obstáculo no caminho, alguma coisa a ser superada, algo não resolvido, tempo a ser cumprido ainda, um débito a ser pago. Então a vida teria início. Finalmente cheguei a conclsão que estes obstáculos eram a minha vida. A felicidade é o caminho. Então aprecie cada momento e lembre-se que o tempo não espera por ninguém. A felicidade é uma jornada e não um destino.


Father Alfred D'Souza



Há muitos anos, ouvi parte da citação acima e desde então ela não saiu da cabeça. Ontem, por acaso, ao ler um livro, vi a citação completa e o autor. Achei mais linda ainda e decidi compartilhar.

O mais engraçado de tudo é que nas últimas semanas tinha chegado exatamente à mesma conclusão: estes obstáculos que venho atravessando são a minha vida. Não vou mais esperar para que eles cheguem a um fim, pois não posso mais esperar para ser feliz.

Durante os últimos cinco anos, segurei a respiração esperando o dia 22 de outubro de 2007 chegar para que eu pudesse finalmente me declarar CURADA. O dia tão esperado chegou e foi embora. Nada mudou. Meses depois, ao contrário de todas as evidências médicas, me vi as voltas com meu pior pesadelo: um segundo round com um inimigo que quase tinha me nocauteado.

Esperar mais cinco anos para comemorar o que? Vou comemorar agora mesmo! Estou viva! Esperar dois anos para ter um filho? Esperar para que? Vou começando a me preparar desde já. Vou desde agora tentando ser o melhor que eu puder. A partir de agora, vou tratando de ser feliz, não apesar dos obstáculos, mas por causa deles, que me transformaram em quem eu sou.

January 30, 2008

Os Pais

Já falei de filhos alguma vezes aqui, mas pouco falei de pais.

Ontem mostrei para os meus pais a figura detalhada da cirurgia, esta que está aí no post abaixo. Achei que era uma forma clara de entender o procedimento e compartilhar esta informação com amigos mais curiosos. Pensei também que meus pais fossem achar interessante, afinal não era o MEU fígado, e nem fígado era, mas o desenho de um fígado qualquer ilustrando um procedimento técnico.

Estava redondamente enganada. Chamei os dois para frente do computador, eles olharam rapidamente o monitor e fizeram a mesma pergunta: "Para quê?" Minha mãe ainda deve ter dito algo como, "Deixa pra lá, já passou. Esquece." Insisti dizendo que não se tratava de nada pessoal, mas satisfazia a minha curiosidade sobre a cirurgia. Mostrei para eles o lobo direito, que no meu caso foi embora, as duas veias que me restaram (a cava, sem ela estaria morta, e a média, que quase se foi, mas em cima da hora os médicos decidiram não sacrificá-la) e o provável arranjo que os cirurgiões devem ter feito no meu fígado, que chamo de "puxadinho". Explico: Normalmente, estas duas veias atravessam o lobo direito do fígado, mas na inexistência deste, como no meu caso, creio que algum arranjo especial deve ser feito.

Toda vez que meu pai me escuta falando isso, sua fisionomia muda visivelmente. Ele odeia pensar que a filha, criada com tanto carinho, não é mais "perfeita", pelo menos fisicamente. Toda vez que olha para minha cicatriz diz: "Daqui a pouco a gente faz outra plástica." Repararam no "a gente"??? Coisa de louco, ? Afinal a barriga é minha e para dizer a verdade a cicatriz não me importa nada, nada. Sempre quis ser diferente, então parece que Deus ouviu as minhas preces. Quantas pessoas vocês conhecem que têm a estrela de três pontas da Mercedes talhada na barriga? Pois é! E é da Mercedes! Não é pra qualquer um não... Será que se mandar a minha foto pra eles, levo um carro?

Quando conversamos sobre este assunto chego mesmo a pensar que isto tudo dói mais nos meus pais do que em mim. Sim, a dor física é intransferível, mas a psicológica é perfeitamente compartilhável. Lembro que da primeira vez, mesmo depois do laudo médico que dizia claramente "hepatocarcinomal fibrolamelar" e não deixava margem para dúvidas, meus pais diziam que aquilo não tinha sido câncer, mas sim "umas celulazinhas ruins" que tinham aparecido. E toda vez que os corrigia -- sim, pois parte da minha estratégia sempre foi encarar os fatos de frente, dando nome aos bois -- eles se desesperavam. A palavra "câncer" simplesmente não fazia parte do vocabulário deles, pelo menos no meu caso.

Mas o tempo vai passando e abrandando todos os sentimentos. Aos poucos conseguíamos falar na experiência, mas nunca entrávamos em detalhe, pois para eles sempre foi dolorido demais. Não sou mãe (ou pai!), então não consigo mensurar bem a dimensão dos sentimentos deles, mas acho que por mais absurdo que possa parecer de vez em quando existe um sentimento de culpa, ou pelo menos um questionamento, "por que isto aconteceu justo com a nossa filha, que é tão jovem e saudável?" É como se sua obra-prima de repente começasse a ser devorada por cupins!

Tenho muita pena dos meus pais, pois imagino o quanto eles vem sofrendo comigo. Posso dizer que sou responsável por 90% dos cabelos brancos do meu pai, pois ele quase não tinha em 2002, até a minha cirurgia, e este mês notamos mais alguns na cabeça do coitado. Da minha mãe, não vou saber nunca, pois ela tem cabelo pintado, mas diz que tem uma mecha totalmente branca que surgiu depois da primeira cirurgia.

Na primeira cirurgia, fiquei quase um mês internada e mais um mês e meio em casa, entre consultas médicas, exames invasivos e quimioterapia por embolização, que envolvia centro de hemodinâmica, anestesia e internação. Pois é, fácil não foi. Mas meus pais estiveram sempre lá, uns dias mais fortes, outros dias mais frágeis, mas sempre dedicados e munidos de muita fé.

Mês passado, após ouvir o diagnóstico na sala de ultrassom, corri direto aos prantos para o meu pai, que estava na sala de espera e não conseguiu conter a emoção também. Ele só dizia: "Tudo vai ficar bem, querida. Tudo vai ficar bem." Mas eu sabia que ele também não tinha esta certeza. Naquela hora certezas simplesmente não existiam. Foi um pouco diferente da cena de 2002, quando saí da mesma sala escura em transe e encontrei a minha mãe na mesma sala de espera. Tumor no fígado? Isto existe mesmo? Cirurgia? Como assim? Era tudo tão novo para nós que o medo vinha em ondas, ao passo que íamos descobrindo mais detalhes da minha condição. Em 2007 foi diferente, fomos atingidos de uma vez só, de frente!

E daquele momento em diante as notícias começavam a chegar, truncadas como sempre. De início os médicos disseram ao meu pai que o tumor tinha uns três centímetros. Horas depois ele tinha por volta de cinco. Quando o exame finalmente chegou às minhas mãos, ele tinha sete!!!! Isso me dava um desespero enorme.

Vale a pena dizer que meu pai tem esta mania de "filtrar" as informações ou selecionar as partes da informação que ele quer que cheguem até mim. (Ele só quer me proteger, pois pensa que já sofri muito.) Mas quando finalmente descobri o tamanho real, me desesperei, pelo tamanho e pela sonegação de informações. Gritei muito com o meu pai que, coitado, estava mais abalado do que eu. Perguntei a ele e a minha mãe se eles tinhas esquecido das lições que aprendemos em 2002. Mas vi ali mesmo, na sala de espera do médico, que eles só queriam me poupar e assim sofrer um pouco menos. Como poderia culpá-los?

O tempo, que abranda os sentimentos, também tem seus efeitos nas pessoas e era inegável que meus pais estavam cinco anos mais velhos, cinco anos mais cansados, cinco anos mais frágeis. Mas isto só foi ficando óbvio para mim aos poucos e hoje, mesmo encarando a minha situação de frente, escolho as minhas palavras ao abordar o assunto com eles. Talvez seja melhor deixar o assunto morrer de vez, pelo menos com eles. A minha aparência é ótima e mesmo os médicos dizem que é difícil acreditar que passei por uma delicada cirurgia. E é isso que meus pais precisam saber, que está tudo bem.

As minhas investigações e questionamentos vão continuar, mas vou poupá-los das minhas descobertas, que afinal só dizem respeito a mim. Eles, apesar de bem jovens e saudáveis, já não têm mais o mesmo vigor de alguns anos e merecem um pouquinho de paz. Já sofreram bastante comigo nestes últimos anos. Para nossa sorte porém, de acordo com os médicos, o pesadelo acabou, pois estou curada. Parece mesmo que esta história vai ter um final feliz.

January 29, 2008

Hepatectomia -- em detalhes

Volta e meia, amigos me perguntam detalhes sobre a cirurgia e confesso que aos poucos vou me informando melhor, mas ainda estou longe de ser uma expert.

Depois de duas cirurgias, já sei de bastante coisa, mas os detalhes se tornam cada dia mais fascinantes. Encontrei estas explicações abaixo e resolvi dividir com vocês. Só não entendo quando dizem que a cirurgia dura de três a quatro horas: a minha primeira durou onze ou doze e a segunda seis! Acho que sou uma paciente realmente especial.

Em compensação, a recuperação foi assustadoramente breve e fácil: menos de dois dias de CTI, dois dias de quarto. O resto em casa só na boa vida... :)

Então para os curiosos de plantão, aqui vão detalhes do procedimento.

Hepatectomy

Definition
A hepactectomy is the surgical removal of the liver.

Purpose
Hepatectomies are performed to surgically remove tumors from the liver. Most liver cancers start in liver cells called "hepatocytes." The resulting cancer is called
hepatocellular carcinoma or malignant hepatoma.
The type of cancer that can be removed by hepatectomy is called a localized
resectable (removable) liver cancer. It is diagnosed as such when there is no evidence that it has spread to the nearby lymph nodes or to any other parts of the body. Laboratory tests also show that the liver is working well. As part of a multidisciplinary approach, the procedure can offer a chance of long-term remission to patients otherwise guaranteed of having a poor outcome.
Demographics
According to the National Cancer Institute (NCI), liver cancer is relatively uncommon in the United States, although its incidence is rising, mostly as a result of the spread of
hepatitis C. However, it is the most common cancer in Africa and Asia, with more than one million new cases diagnosed each year. In the United States, liver cancer and cancer of the bile ducts only account for about 1.5% of all cancer cases. Liver cancer is also associated with cirrhosis in 50–80% of patients.
Description
The extent of the hepatectomy will depend on the size, number, and location of the cancer. It also depends on whether liver function is still adequate. The surgeon may remove a part of the liver that contains the
tumor, an entire lobe, or an even larger portion of the liver. In a partial hepatectomy, the surgeon leaves a margin of healthy liver tissue to maintain the functions of the liver. For some patients, liver transplantation may be indicated. In this case, the transplant surgeon performs a total hepatectomy, meaning that the patient's entire liver is removed, and it is replaced with a healthy liver from a donor. A liver transplant is an option only if the cancer has not spread outside the liver and only if a suitable donor liver can be found that matches the patient. While waiting for an adequate donor, the health care team monitors the patient's health while providing other therapy.
The surgical procedure is performed under
general anesthesia and is quite lengthy, requiring three to four hours. The anesthetized patient is face-up and both arms are drawn away from the body.

To remove a portion of the liver, the surgeon enters the patient's abdomen, and frees the affected part of the liver from the connecting tissues (B). The artery to the liver and hepatic duct are disconnected from the liver (C). The diseased part of the liver is cut away, and a cauterizing tool is used to stop the bleeding as the surgeon progresses (D). (Illustration by GGS Inc.)
heating pad and wrappings around the arms and legs to reduce losses in body temperature during the surgery. The patient's abdomen is opened by an
incision across the upper abdomen and a midline-extension incision up to the xiphoid (the cartilage located at the bottom middle of the rib cage). The main steps of a partial hepatectomy then proceed as follows:
Freeing the liver. The first task of the surgeon is to free the liver by cutting the long fibers that wrap it.


Removal of segments. Once the surgeon has freed the liver, the removal of segments can start. The surgeon must avoid
rupturing important blood vessels to avoid a hemorrage. Two different techniques can be used. The first has the surgeon make a superficial burn with an electric lancet on the surface of the liver to mark the junction between the sections marked for removal and the rest of the liver. He/she cuts out the section, and then tears towards the hepatic parenchyma. It is the difference in resistance between the parenchyma and the vessels that allows the surgeon to identify the presence of a vessel. At this point, he/she isolates the vessel by removing the surrounding connective tissue, and then clamps it. The surgeon can then cut the vessel, without any danger to the patient. The second technique involves identifying the large vessels feeding the segments to be removed. The surgeon operates first at the level of the veins to free and then clamp the vessels required. Finally, the surgeon can make incisions without worrying about cutting little vessels.

Diagnosis/Preparation
A diagnosis of liver cancer requiring an hepatectomy is obtained with the following procedures:
physical examination
blood tests
computed tomagraphy (CT) scan
ultrasound test
magnetic resonance imaging (MRI)
angiograms
biopsy

To prepare a patient for a hepactectomy, clean towels are laid across the patient's face, along the sides, and across the knees. The anterior portion of the chest, the abdomen, and the lower extremities down to the knees are scrubbed with betadine for 10 minutes. In the event of a patient being
allergic to iodine, hibiscrub may be used as an alternative. On completion of the scrub, two sterile towels are used to pat the area dry. The area is then painted with iodine in alcohol, and draping proceeds with side drapes, arm board drapes, top and bottom drapes, and a large steridrape. Three suction devices, one diathermy pencil, and one forceps are placed conveniently around the field.

Aftercare
After an hepatectomy, the healing process takes time; the amount of time required to recover varies from patient to patient. Patients are often
uncomfortable for the first few days following surgery and they are usually prescribed pain medication. The treating physician or nurse is available to discuss pain management. Patients usually feel very tired or weak for a while. Also, patients may have diarrhea and a feeling of fullness in the abdomen. The health care team closely monitors the patient for bleeding, infection, liver failure, or other problems requiring immediate medical attention.
After a total hepatectomy followed by a liver transplant, the patient usually stays in the hospital for several weeks. During that time, the health care team constantly monitors how well the patient is accepting the donated liver. The patient is prescribed drugs to prevent the body from rejecting the transplant, which may cause puffiness in the face, high blood pressure, or an increase in body hair.


Risks
Patients with
chronic hepatitis and cirrhosis are at high risk when an hepatectomy is performed.
There are always risks with any surgery, but a hepatectomy that removes 25–60% of the liver carries more than the average risk. Pain, bleeding, infection, and/or injury to other areas in the abdomen, as well as death, are potential risks. Other risks include
postoperative fevers, pneumonia, and urinary tract infection. Patients who undergo any type of abdominal surgery are also at risk to form blood clots in their legs. These blood clots can break free and move through the heart to the lungs. In the lungs, the blood clot may cause a serious problem called pulmonary embolism, a condition usually treated with blood-thinning medication. But in some cases, embolisms can cause death. There are special devices used to keep blood flowing through the legs during surgery to try to prevent clot formation.
There are also risks that are specific only to liver surgery. During the
preoperative evaluation, the treatment team tries to evaluate the patient's liver so that they can decide what piece can safely be removed. Removal of a portion of the liver may cause the remaining liver to work poorly for a short period of time. The remaining part of the liver will begin to grow back within a few weeks and will improve. However, a patient may develop liver failure.
Normal Results
The results of a hepactetomy are considered normal when liver function resumes following a partial hepatectomy, or when the transplant liver starts functioning in the case of a total hepatectomy.
Morbidity and Mortality Rates
Liver cancer may be cured by hepatectomy, although surgery is the treatment of choice for only a small fraction of patients with localized disease. Prognosis depends on the extent of the cancer and of liver function
impairment. According to the NCI, five-year survival rates are very low in the United States, usually less than 10%. Non-Hispanic white men and women have the lowest incidence of and mortality rates for primary liver cancer. Rates in the black and Hispanic populations are roughly twice as high as the rates in whites. The highest incidence rate is in Vietnamese men (41.8 per 100,000), probably reflecting risks associated with the high prevalence of viral hepatitis infections in their homeland. Other Asian-American groups also have liver cancer incidence and mortality rates several times higher than the white population.

Alternatives
There are no alternatives because hepatectomies are performed when liver cancer does not respond to other treatments.


January 28, 2008

O Blog

Sem dúvida nenhuma, nestes últimos meses a melhor surpresa para mim foi este blog. Comecei a me aventurar por aqui em meados do ano passado, muito despretenciosamente na esperança de preencher meu tempo ocioso. Recém chegada a Maryland, sem praticamente nada para fazer, procurando algo que pudesse me aproximar de alguma rotina qualquer, me refugiei na Internet e fiz do computador meu companheiro naqueles dias solitários.

Alguns amigos insistiam para que eu escrevesse um blog para que eles pudessem acompanhar minhas aventuras, mas sempre achei minha vida tão monótona, ainda mais depois de ter virado "dona de casa" nos estéreis subúrbios americanos, das casas sem muro e dos gramados verdinhos. Um mundo tão estranho para mim.

Logo de início duas perguntas bem básicas me vieram à cabeça: Falar o que? E para quem? Sim, pois como jornalista sempre soube exatamente o que queria dizer e quem era meu público-alvo. Agora, de repente, começo um diário virtual sem nenhum objetivo aparente. Hoje, olhando para trás vejo que o objetivo sempre foi terapêutico, escrever é uma forma de me deixar sã ou de pelo menos tentar entender as razões da minha loucura.

Escrevi alguns post mas não tinha um assunto específico para abordar, pois nunca me achei uma expert em nada. Pensei em escrever sobre casamentos, assunto que adoro, ou sobre saúde, tópico que admito só ter se tornado interessante depois das minhas inúmeras incursões médicas. Também não sabia se deveria escrever em português ou inglês, duas línguas que domino e com as quais tenho relações bem profundas.

No início o blog era em inglês, depois passou a ser bilingue, mas confesso que a preguiça acabou falando mais forte e no final acabei escrevendo somente em português. A escolha se tornou mais fácil uma vez que descobri que queria mesmo falar de câncer, ou melhor, falar das mudanças que esta doença traz para a vida de pessoas que como eu eram normais e muito saudáveis, até que um dia deixaram de ser.

Como a minha vida começou a se agitar, ou melhor, como eu passava bastante tempo fora de casa, o blog ficou meio abandonado, pois meu tempo em era tão exíguo que não dava para dedicar nem vinte minutos ao coitado do blog.

Mas como as coisas na minha vida mudam numa rapidez impressionante e a aparente calma foi repentinamente substituída pelo mais absoluto caos, voltei a usar o blog como válvula de escape. A cada dia, depois das consultas médicas ou dos exames mais diversos, chegava em casa e tentava processar tudo e me preparar para o dia seguinte e ao colocar meus pensamentos no papel conseguia entender um pouco melhor a bagunça em que tinha se transformado a minha vida.

O blog era acima de tudo meu diário e como bom diário era praticamente secreto, até que um dia a Claudia, blogueira-mor (www.claudiabeatriz.blogspot.com) descobriu que ele existia. Não sei muito bem como, mas me lembro de ter tomado um susto e tanto quando encontrei um comentário dela por aqui. E foi esta mesma Claudia que meses depois fez um post sobre mim no blog dela pedindo para que todos orassem por mim. Daí pra frente o blog virou público! Ela fez o que eu queria ter feito e nunca tive coragem: abriu as cortinas e me deixou de cara para o público sozinha no palco!

Achei o máximo! Mal pude acreditar quando fui lendo os comentários que as pessoas deixavam. Era tanto carinho, tanto apoio vindo de todo o canto. Impossível não se emocionar. Eram desconhecidos que deixavam mensagens lindas, amigos próximos que recebiam notícias minhas online e amigos que já julgava perdidos no tempo e no espaço cibernético. Grandes e ótimas surpresas.

Pensando bem acho que tem mais uma lição aqui. Meu maior medo era que as pessoas visitassem o meu blog e me interpretassem mal. Por mais que eu quisesse que outras pessoas lessem o que escrevia, o medo da rejeição me apavorava e me impedia de satisfazer a minha vontade. Quando a Claudia colocou o link para o meu blog no blog dela de certa forma me vi forçada a enfrentar este medo de frente. Mas a reação das pessoas foi tão rápida e maravilhosa que a sensação de medo foi logo transformada num sentimento de liberdade muito grande. Receber o carinho e conhecer a opinião de outras pessoas e saber que elas estão ali porque acharam a minha história interessante era simplesmente impensável há alguns meses. Ver os comentários, sugestões e conselhos é tão gratificante.

Então o meu post de hoje é um agradecimento a todos vocês, amigos reais e virtuais, que tornaram este último mês suportável, que fizeram com que me sentisse amada e envolvida por uma corrente do bem, que me deram coragem para seguir em frente. Queria saber um pouco da história de cada um, das experiências vividas, dos sonhos, dos tropeços e etc... Quem sabe aos poucos a gente não vai se conhecendo por aqui?

January 27, 2008

Decisões

Hoje li a entrevista da Letícia Sabatella no Globo. Lá pelo meio da matéria, ela falava do nascimento da filha Clara, há quinze anos. Para quem não lembra, a menina nasceu prematura e muito frágil e passou uns três meses na UTI neo-natal. Na época o nascimento foi amplamente noticiado porque a Letícia tinha acabado de fazer a novela O Dono do Mundo e todos tinham se apaixonado por aquela atriz novata e linda.

Ela disse que passou os primeiros dias junto à filha e escondida na UTI. Saía disfarçada parar não ser vista pela imprensa, mas depois que o fato veio à tona, resolveu abrir o jogo de vez e fez até coletiva. Para a surpresa dela, que no início não queria que ninguém soubesse do fato, a reação das pessoas foi incrível: demonstrações de carinho e afeto por todos os cantos.

Esta mesma decisão também pairou sobre mim, duas vezes. Em 2002, era tudo muito assustador e as notícias mudavam com uma velocidade absurda e geralmente iam de mal a pior. Ao mesmo tempo que tínhamos que processar tudo, nos víamos às voltas com perguntas de amigos e familiares que queriam saber exatamente o que acontecia comigo. Como responder a tantas perguntas se nem eu mesma sabia o que se passava? Obviamente a maioria das pessoas se importava comigo de verdade, mas uns poucos eram só mensageiros do Apocalipse que a cada chance decretavam minha morte. Como me proteger daquilo? Como separar o joio do trigo?

Meus pais mal podiam pronunciar o nome da doença, quanto mais falar sobre ela com outras pessoas. No fundo deviam achar que se fingissem que a doença não existia, mais cedo ou mais tarde ela me deixaria em paz. Eu, ao contrário, achava que se não conhecesse a fundo o inimigo não poderia vencê-lo, então fazia muita questão de chamá-lo pelo nome, como se fôssemos velhos conhecidos. Achava que só conhecendo a fundo meu inimigo teria chance contra ele e me fortaleceria para enfrentar comentários maldosos.

Depois de encontrar coragem para enfrentar meu inimigo, consegui falar sobre ele e decidi contar a minha história a todos que tivessem interesse. Não queria me transformar na chata panfletária, mas não julgava certo varrer toda aquela experiência para baixo do tapete.

Foi um alívio imenso quando enfim pude entender o que me acontecia e falar abertamente sobre um assunto tão angustiante. Mas o melhor de tudo foi poder receber. Logo eu, que não consigo receber nada naturalmente, que tenho uma imensa dificuldade em ficar num lugar "passivo"... Mas a experiência foi maravilhosa. Perceber que você é importante para outras pessoas é uma descoberta e tanto. Saber que muita gente que você ama retribui este afeto na mesma intensidade e descobrir que há pessoas que você nem conhece e que se importam com você... é uma sensação indescritível!

Foi por isso que desta vez, logo que soube do tumor, não tive dúvidas: disparei um email (em inglês e português! ) para todos os meus amigos explicando tintim por tintim tudo que tinha acontecido e pedindo muito para que todos torcessem por mim. E mais uma vez fui inundada por demonstrações e mensagens de carinho e apoio vindas de todos os lugares. Uma corrente ainda maior e mais forte! Eu, que acredito mais que tudo no poder da fé, da oração e do pensamento positivo, não tenho dúvidas que acertei em cheio quando em vez de me fechar com os meus problemas, me abri para o mundo e para as pessoas que sempre torceram por mim. A temporada relâmpago no hospital e a recuperação fantástica não me deixam mentir.

January 26, 2008

A Espera

Quando penso em tudo que tenho vivido, vejo que a grande lição a ser tirada disto tudo é a paciência. Admiro demais as pessoas calmas e pacientes, mas parece que não consigo desenvolver esta virtude em mim. Acho este traço de personalidade tão importante que coloquei no topo da minha lista quando estava em busca da minha cara metade, então não foi por acaso que me casei com uma das pessoas mais pacientes que conheço. Freud deve explicar esta história de se buscar no outro algo que a gente não tem. Meu caso deve ser clássico.

A ansiedade e a busca pela perfeição, ou como diz a minha mãe, pelo inatingível, são características tipicamente minhas. Sou o tipo de pessoa que depois passar tempos me matando de trabalhar para acabar um projeto, olho para o produto final e penso: "Está mais ou menos. Pode ser melhorado. Acho que vou fazer tudo de novo." E depois de refazer tudo, olho a minha volta e me pergunto se não há nada mais a fazer. Então na certeza de ter acabado o tal projeto, me apresso e vou buscando logo uma coisa mais difícil ainda para fazer.

Mas esta loucura não fica restrita ao trabalho, a minha vida é assim. Sempre tenho que batalhar muito para alcançar o que eu quero, para atingir o nível que determinei. Se quando era mais jovem estes desafios impossíveis eram um combustível e tanto, ao ficar mais velha, tornei-me um pouco blasé. Se quando era mais jovem, traçava metas mais que ambiciosas, sofria para alcança-las, mas quando chegava lá, tudo valia a pena, só pelo sentimento de vitória, de cumprimento da missão. Era como se cada uma das minhas tarefas auto-impostas me levasse ao topo do Everest. Lutava, sofria, chorava...mas ao chegar lá, era tomada por uma sensação absurda e maravilhosa de felicidade.

Com o passar dos anos, meus desafios não ficaram mais fáceis, mas aos poucos fui me cansando um pouco da luta. O jogo era mais ou menos o mesmo: corre, corre, espera...corre, corre, espera mais um pouco. Justo esta espera para mim sempre foi insuportável, pois não existe nada que EU possa fazer enquanto espero. Muitas vezes espero pelo outro. Espero pela opinião médica, espero pela imigração americana, espero pela decisão da banca. Espero em agonia.

Desta vez a espera é um pouco diferente. Desta vez tenho que esperar o meu corpo ficar saudável de uma vez por todas para que possa ter filhos. Não que ter filhos neste momento fosse a minha prioridade maior, tendo em vista que tenho menos de um ano de casada, mas a idéia de não ter mais esta escolha nos próximos dois anos me incomoda demais. Meu relógio biológico anda cada vez mais apressado e na minha faixa etária não me resta tanto tempo assim para esperar. Sei que as estrelas de Hollywood estão tendo filhos na faixa dos quarenta, mas convenhamos que a minha conta bancária não se assemelha nem um pouco à delas.

Quando toco neste assunto com a família e com os amigos, mas principalmente com o Blake, que seria o mais interessado, todos são unânimes em dizer que neste momento o meu foco deve ser em mim mesma, na minha saúde. Dizem que filhos podem esperar. Mas será?

Racionalmente esta hipótese não é nem tão ruim assim, pois ainda tenho muito a fazer em Maryland para que possa me sentir em casa. Ainda não finquei raízes. Não tenho meus lugares favoritos, não tenho hobbies ou atividades interessantes, ainda não fiz meu grupo de amigos. Então vou usar os próximos dois anos para fazer isso. Para me encontrar por lá, para escrever e ler mais que os 100 livros que leio por ano, para me dedicar mais ao meu casamento e ao meu marido. E quem sabe depois que tudo isto estiver em seu devido lugar eu posso pensar em trazer um pequeno ser humano a este planeta tão bagunçado?

Mas por enquanto, só resta a mim me habituar à espera e a aprender com ela.

January 25, 2008

Reflexões

"Não sabendo que era impossível, ele foi lá e fez".

Hoje redescobri esta frase do cineasta francês Jean Cocteau lendo uma revista. Fiquei pensando nela a tarde toda e analisando seu significado.

Quantas vezes desistimos de algo que julgamos tão importante sem sequer tentar só porque alguém nos disse que seria muito difícil?

Esta frase de Cocteau me levou de volta ao consultório do médico que me disse que meu "fígado fazia estes tumores mesmo e que se fizesse outro, a gente operava. E se não desse para operar, a gente transplantava". Ele traçava ali o meu destino... Era como se as palavras dele fossem uma profecia que se auto-realiza. Só existe um porém: não é isso que eu quero para mim. Não quero outra cirurgia. Não quero transplante. Não quero mais sofrer. E decidi ali mesmo que dali pra frente haveria muita coisa que eu ia ignorar solenemente. Sentença de morte ou de vida era só a primeira.

Vou ouvir o sábio Jean Cocteau. Vou fingir que ninguém tinha me dito que viver normalmente era impossível, então eu vou lá viver a minha vida. Do meu jeito.

Sempre acreditei que querer era poder e agora mais do que nunca posso provar que isto é verdade. Querer viver uma vida cheia de saúde e poder morrer aos 100 anos de morte morrida. É justo isso que quero pra mim, uma vida longa e cheia de histórias. Muitas histórias eu já tenho do alto dos meus trinta e poucos anos, então só quero muito mais tempo para coletar outras, mais divertidas, mais interessantes.

Uma vez ouvi dizer que a vida era uma tela em branco e que cabia a nós colori-la. A minha vida está mais para uma pintura abstrata do que outra coisa, mas ainda quero adicionar muitas cores, muitas formas muitos contornos. É ao mesmo tempo excitante e assustador ter uma tela em branco a sua frente...ou no caso de um escritor, ter páginas e páginas vazias esperando um lampejo de inspiração.

E é exatamente aí que me encontro, com um pincel ou um lápis na mão, com algumas boas histórias na cabeça e a espera de um pequeno estímulo. Terá sido este tumor o catalisador que tanto esperava? Parece que da primeira vez, depois do choque inicial, consegui voltar a viver a minha vida de sempre (com algumas boas mudanças mas nada muito radical). Então este segundo susto deve ter vindo para me colocar no caminho certo... Mas a pergunta que fica é que caminho é este?

January 24, 2008

Sorte

Minha mãe sempre me disse que eu era uma menina de sorte, pois nasci no dia 1 de novembro e sendo assim tenho a proteção de não um, mas de todos os santos! Quando era pequena me lembro que ganhava muitas rifas e sorteios, mas conforme fui crescendo parece que a sorte resolveu se bandear para outros lados. Fiquei séculos sem ganhar nada, até que há uns dois anos ganhei uma Montblanc linda no sorteio de um restaurante em Brasília! Ganhar a caneta foi relativamente fácil, pegar o prêmio é que foi difícil, pois tive que receber pessoalmente e isso levou um bom tempo, já que convenhamos que Brasília não fica ali do lado.

Mas voltando a história da sorte, nos últimos dias tenho me achado tudo, menos sortuda. Que sorte é essa ter que passar por duas cirurgias no fígado em cinco anos? Como sempre disse, uma cirurgia já é mais do que qualquer ser humano merece, que dirá duas! Todos os exames invasivos, contrastes, internações, diagnósticos bombásticos, tratamentos...onde foi parar a minha sorte? E o que estavam fazendo todos os santos que não me tiraram desta?

Aos poucos me vem a resposta. Pesquisando na Internet, descobri que em casos de câncer no fígado, somente 15% a 10% dos pacientes podem se beneficiar da ressecção, já que na imensa maioria dos casos o tumor já se espalhou por todo o fígado e às vezes até por outros órgãos ou ainda o fígado simplesmente não é saudável o suficiente para aguentar uma cirurgia delicada. Agora começo a entender a calma dos médicos quando me diziam que eu tinha que estar feliz, pois meu caso tinha uma solução relativamente fácil, ao contrário de muitos outros. Acostumados a tanta desgraça, no fundo devem ter me achado uma menina mimada. Mimada eu não sei, mas traumatizada certamente.

Tenho sorte também de ter uma família estruturada que me deu todo o apoio durante os períodos mais conturbados da minha vida. Meus pais e irmãos estiveram sempre muito próximos a mim, e só saíram do meu lado na hora da cirurgia. Graças a Deus e aos meus pais, pude ter todo o conforto à minha disposição, dos exames mais complexos a pequenos mimos que fazem toda a diferença. Num país onde muita gente morre na porta do hospital esperando por socorro, me considero uma pessoa de muita sorte.

Os amigos são um verdadeiro tesouro, por mais cliché que esta frase possa parecer. Dos médicos que me tratam com um carinho singular, aos amigos mais próximos que não paravam de ligar, que num piscar de olhos doaram litros e litros de sangue, que ficavam de plantão no hospital, que fizeram com que meu quarto mais parecesse um jardim de tantas flores, que fizeram com que meu tempo passasse mais rápido com as visitas sempre alto astral.

Outra sorte grande foi ter o Blake ao meu lado este tempo todo. Esta segunda cirurgia foi um golpe que nenhum de nós esperava e desta vez meus pais já estavam muito fragilizados e a minha irmã, que ficou comigo todos os dias no hospital, estava grávida e por isso não poderia ficar internada comigo de novo. Mas o Blake estava lá, firme e doce ao mesmo tempo, e de uma dedicação absurda. E honestamente, isso fez toda a diferença, pois me fez perceber que quando aceitei o pedido dele naquela tarde de agosto no Nannai, tinha tomado a decisão mais acertada da minha vida. É quase impossível acreditar que tenha achado este ser humano maravilhoso e minha alma gêmea num destes sites de Internet. Bem que a minha mãe sempre disse que eu era uma garota de sorte. Tenho certeza que nesta hora, todos os santos estavam bem acordados e olhando por mim!

January 23, 2008

Visita de Amigas

Hoje tive duas visitas especiais; duas amigas das quais já falei aqui no blog. O mais engraçado é que nos unimos por um motivo muito SuiGeneris: nós todas já tivemos câncer e mais ou menos na mesma época.

Em 2002 eu trabalhava num escritório de propriedade intelectual onde a incidência de câncer por algum estranho motivo era muito alta. E por incrível que possa parecer, praticamente todos ali tinham histórias de vitória.

Entre uma visita e outra à gerente de Recursos Humanos, fiquei sabendo que eu não era a única com aquele problema. A própria gerente, D. Marli, tinha vencido um câncer de mama havia alguns anos e de lá para cá tinha visto tantos outros casos. Ela me falou da Lucianne, que tinha vencido um linfoma uns anos antes, e da Carla, que tinha descoberto um nódulo na mama mais ou menos na mesma época que eu lutava contra o meu câncer no fígado.

Conhecia as duas de vista, pois a empresa era grande e nós trabalhávamos em departamentos diferentes, mas depois de saber da história delas era como se já as conhecesse há séculos, afinal tínhamos muito em comum. Elas e eu tínhamos o que todo o sobrevivente de câncer tem: uma vontade imensa de viver e a certeza de que tudo é incerto. E uma experiência destas aproxima muito as pessoas que já passaram por ela. Elas também tinham ficado com o papel principal na tragédia grega.

Mas é justo nesta hora que entra o talento para transformar a tragédia em epopéia ou às vezes até em comédia. E isso elas têm de sobra.

A visita de hoje foi ótima. Falamos de amenidades, mas também conversamos sobre os períodos difíceis que atravessamos. Falamos de coragem, mas também falamos de medo. De força e de fragilidade, mas acima de tudo falamos sobre o laço que nos une. Quem diria que de uma doença tão horrível pudesse surgir algo tão forte e duradouro? Bem que dizem que na vida tudo tem seu lado positivo... Esta amizade sincera e enriquecedora foi uma das heranças que a doença me deixou. Quer maior prova do que isso?

January 22, 2008

Os Próximos Cinco Anos

Acabo ver na TV que o caso do jogador de basquete Nenê Hilário teve mais uma reviravolta. O tumor que seria benigno, de acordo com um médico brasileiro entrevistado pela revista Época, na verdade era maligno. Grande surpresa para a maioria das pessoas. Não para mim, que já vivi o mesmo drama não uma, mas duas vezes.

Não tenho os detalhes, mas acho que posso imaginar como Nenê se sente. Aliviado por ter detectado o problema em estágio inicial, pois o tumor ainda não tinha se espalhado para outros órgãos, mas ao mesmo tempo preocupado com seu futuro. Apavorado talvez. Pela primeira vez se depara com a possibilidade real da morte, aos 25 anos.

O fato é que no caso de um tumor benigno tudo é muito simples: depois da cirurgia o problema está solucionado e o paciente volta a uma vida normal. Já no caso de um tumor maligno, mesmo que encapsulado, a coisa já muda de figura, pois simplesmente não há certezas. É nesta hora que os médicos tornam-se reticentes, que os laudos ficam mais complexos e a vida mais confusa. Aliás é justo nesta hora que a gente passa a não ter mais vida e sim sobrevida.

Imagino que o Nenê esteja agora tentando elaborar tudo isto. Se há um mês sua única preocupação era uma contusão nas quadras ou uma cesta perdida, agora ele tem muito mais com que se preocupar. Não tenho dúvidas que o Nenê já é uma outra pessoa depois de passar por isto tudo em tão pouco tempo. Mas se o tumor fosse benigno, ele seguramente poderia varrer tudo para baixo do tapete e continuar vivendo a vidinha de sempre. Tudo não passaria de um pesadelo que teria ficado parar trás. Mas agora, depois de um laudo diferente e definitivo, ele já não tem mais esta escolha. Não dá para enterrar uma experiência destas quando se tem que enfrentá-la a cada três meses, quando se volta ao local do crime rezando para não encontrar novas evidências. Não dá para seguir levando a mesma vidinha de sempre quando ela não se chama mais vida, e sim sobrevida, e você tem que viver em liberdade vigiada pelos próximos cinco anos. Não dá para fazer simples planos sem pelo menos uma vez questionar se vamos durar tanto.

Mas são os golpes e os tropeços que nos tornam mais fortes e aos poucos vamos aprendendo que tendo a vida ou a sobrevida toda pela frente não temos mais o direito de esperar que as coisas sejam perfeitas para que sejamos felizes. Temos que aprender a conviver com a incerteza, com a imperfeição e com a idéia marxista de que tudo que é sólido desmancha no ar.

January 21, 2008

Mudanças Alimentares

Que o ano de 2008 será o ano das mudanças não me restam dúvidas. Eu que sou avessa a qualquer tipo de mudança, aos poucos vou me conformando com o rumo que a minha vida vem tomando. Muitas vezes acho que as rédeas da minha própria vida me escapam. Outras vezes acho que sou eu que busco esta "destruição criativa", que preciso de um certo nível de caos, desordem e incerteza para sobreviver.

A verdade é que nunca planejo as famosas faxinas de fim de ano ou sequer faço as listas de ano novo, já tão batidas. Este ano entretanto, as mudanças tem ocorrido numa velocidade assustadora que não me resta nada a fazer a não ser me render a elas.

O catalizador disto tudo foi mais uma vez o meu fígado, que novamente já dava sinais de perigo, mas isto tudo era só o início.

Depois da cirurgia e de um diagnóstico no mínimo complicado, decidi romper com o médico que me acompanhava desde a primeira cirurgia, há cinco anos. E justo o tal médico que era Deus para mim. Que me monitorava atentamente, que decidia o que eu fazia, que era a última palavra em tudo para mim, mas que nas últimas semanas me trouxe mais pânico do que tranqüilidade e por isso deixou de ser referência. Por estes motivos, e a pedido do próprio cirurgião, tive que escolher o meu caminho, que não mais seria guiado por ele.

Logo depois de escolher a corrente médica que ia seguir e decidir que o meu foco principal seria a minha saúde e conseqüentemente a minha felicidade, liguei para a University of Maryland e pedi meu desligamento. Foi triste, já que a minha chefe é uma pessoa ótima, mas o trabalho em si não era o que eu esperava e as três horas diárias no carro eram mais do que eu poderia suportar. Chorei ao falar com ela ao telefone. Desliguei em meio a soluços, mas olhando para trás, foi a decisão mais sábia.

A outra mudança, que implemento aos poucos, é relativa à minha alimentação. Conversando com o Dr. Joaquim, disse a ele que tinha saído do meu emprego e ele elogiou a minha decisão, acrescentando que o mais importante agora era que eu fizesse uma mudança radical na minha alimentação, deixando os corantes artificiais para sempre e substituindo todo alimento processado por muito "verde".

Lembro ter lido muito sobre a famosa dieta dos alimentos crus -- a dieta básica deve ser constituída por 80% de alimentos crus e 20% de alimentos cozidos -- e dos resultados animadores em pacientes de câncer. Confesso que achei a idéia interessante, mas muito pouco prática, principalmente para quem trabalha fora. Queria melhorar a minha qualidade de vida, mas sou muito cética quanto a estas novidades new age e tenho as minhas reservas sobre tudo que me parece muito radical.

Procuramos um meio termo. Como o Blake é muito saudável, compramos um juicer maravilhoso e passamos a tomar um suco milagroso diariamente. Desde que soube do tumor, fizemos um tratamento de choque a base de suco de espinafre, maçã, beterraba e cenoura. Pode parecer uma mistura horrível, mas não é. O gosto é até agradável. De vez em quando acrescentamos laranja, mas só esporadicamente, pois de acordo com o Blake, não se deve misturar legumes e frutas, com exceção da maçã, que é coringa.

Conversei com o Dr. Joaquim rapidamente sobre isso e ele gostou da idéia. Foi muito enfático ao dizer que esta mudança alimentar é urgente e essencial. Ainda não pesquisei muito sobre a dieta, mas aos poucos abandono os refrigerantes, corantes, conservantes e condimentos em busca de uma alimentação mais simples e "natural". Como sei que este assunto interessa a muita gente, vou procurar postar meus achados aqui.

Vai ser uma experiência interessante, pois não tenho nenhuma afinidade com a cozinha e só gosto de comidas exóticas e diferentes, então tenho um desafio e tanto à minha frente. Mas como 2008 já começou com um mega desafio, acho que este vai ser mais fácil do que imagino.

January 20, 2008

O Fígado



Para quem tem curiosidade de saber o porquê da importância do fígado aqui vão algumas informações.

Confesso que antes disto tudo começar a única coisa que eu sabia do fígado era que ele se regenerava. Sabia também que a Malu Mader tinha feito uma cirurgia para a retirada de um tumor (hiperplasia central nodular, tumor benigno) havia muitos anos e que tinha pavor da cicatriz dela. Não é a toa que ela não aparece de biquini de jeito nenhum.

Mas, voltando a minha história, desde aquele outubro de 2002 muita coisa mudou na minha vida e por absoluta necessidade aos poucos fui querendo saber mais sobre este meu órgão tão problemático e lutador, que agora pensando bem, ilustra bem a minha personalidade: a gente tem um monte de problemas, nada nos vem fácil, mas como somos teimosos continuamos lutando sempre!

As gravuras do post de hoje mostram a morfologia e a localização do fígado. Como pode-se ver, o lobo direto é bem maior que o esquerdo num fígado normal e saudável. Na época da minha primeira cirurgia, meu lobo direito era simplesmente IMENSO, tão grande que acomodava um tumor de 20 cm e outro de uns 3 cm. Já o esquerdo era atrofiado. Nem os médicos sabem explicar como meu fígado não explodiu e conseguiu crescer tanto para acomodar os tumores. Prefiro acreditar que alguém lá em cima achava que eu ainda tinha coisas para fazer por aqui.




Durante a primeira cirurgia, tive 70% do meu fígado e boa parte do lobo direto retirados. A vesícula, coitada, apesar de saudável, também teve que partir para evitar complicações futuras. O cirurgião sempre disse que deveria ter ido mais fundo, na verdade eu tinha cerca de 80% do fígado comprometido, mas que eu não resistiria, pois o ser humano precisa de 30% do fígado para viver. Então ficou um pouquinho de nada do lobo direito, e foi justo aí que velho/novo tumor foi encontrado.






Aula de Biologia:


Para que não sabe, 0 fígado é a maior glândula do corpo humano, e localiza-se no canto direito superior do abdómen, sob o diafragma. Seu peso aproximado é cerca de 1,5 kg no homem adulto e um pouco menos na mulher. Em crianças é proporcionalmente maior, pois constitui 1/20 do peso total de um recém nascido. Na primeira infância é um órgão tão grande, que pode ser sentido abaixo da margem inferior das costelas, ao lado direito. Funciona como glândula exócrina, isto é, libera secreções em sistema de canais que se abrem numa superfície externa. Atua também como glândula endócrina, uma vez que também libera substâncias no sangue ou nos vasos linfáticos.

Em algumas espécies animais o metabolismo alcança a atividade máxima logo depois da alimentação; isto lhes diminui a capacidade de reação a estímulos externos. Noutras espécies, o controle metabólico é estacionário, sem diminuição desta reação. A diferença é determinada pelo fígado e sua função reguladora, órgão básico da coordenação fisiológica.
Entre algumas das funções do fígado, podemos citar:
destruição das hemácias
emulsificação de gorduras no processo digestivo, através da secreção da bile
armazenamento e liberação de glicose
síntese de proteínas do plasma
produção de precursores das plaquetas
conversão de amônia em uréia
purificação quanto a diversas toxinas

Além das funções citadas acima, este órgão efetua aproximadamente 220 funções diferentes todas interligadas e co-relacionandas. Para o entendimento do funcionamento dinâmico e complexo do fígado, podemos dizer que uma das suas principais atividades é a formação e excreção da bile, ou bílis; as células hepáticas produzem em torno de 1,5 l por dia, descarregando-a através do ducto hepático. A transformação de glicose em glicogênio, este conhecido como amido animal, e seu armazenamento, se dá nas células hepáticas. Ligada a este processo, há a regulação e a organização de proteínas e gorduras em estruturas químicas utilizáveis pelo organismo da concentração dos aminoácidos no sangue, que resulta na conversão de glicose, esta utilizada pelo organismo no seu metabolismo. Neste mesmo processo, o sub-produto resulta em uréia, eliminada pelo rim. Além disso, paralelamente existe a elaboração da seroalbumina, da seroglobulina e do fibrinogênio, isto tudo ao mesmo tempo em que ocorre a desintegração dos glóbulos vermelhos. Durante este processo, também age em diversos outros, tudo simultaneamente, destruindo, reprocessando e reconstruindo, como se fossem vários órgãos independentes, por exemplo, enquanto destrói as hemácias, o fígado forma o sangue no embrião; a heparina; a vitamina A a partir do caroteno, entre outros.


O fígado, além de produzir em seus processos diversos elementos vitais, ainda age como um depósito, armazenando água, ferro, cobre e as vitaminas A, vitamina D e complexo B. Durante o seu funcionamento produz calor, participando da regulação do volume sanguíneo; tem ação antitóxica importante, processando e eliminando os elementos nocivos de bebidas alcoólicas, café, barbitúricos, gorduras entre outros. Além disso, tem um papel vital no processo de absorção de alimentos. Espiritualmente se diz que no figado armazenamos a raiva.

Este resumo retirado da Wikipedia explica bem a importância deste órgão mais do que vital. O meu continua lá, com as cicatrizes das batalhas, muitos pontos, muitos grampinhos, a veia cava também mexida, mas firme e forte...todo mundo trabalhando pesado para me manter mais viva do que nunca.

Se o fígado normal é parecido com estas ilustrações que coloquei acima, o meu é um pouquinho, para não dizer totalmente, diferente. Ele é só o lado esquerdo, só que gigante. O tamanho deve estar praticamente normal, mas ele é só um grande lobo esquerdo hipertrofiado, costurado, grampeado, com umas veias meio puxadinhas, mas continua lá. Incrível pensar neste arranjo... Quando olho a cicatriz da Mercedes, ainda fresquinha na minha barriga, às vezes penso que tudo que passei está resumido ali, em forma da famosa estrela de três pontas. Ledo engano... A Mercedes é só enfeite do presente que está bem guardadinho aqui dentro da minha barriga.

January 19, 2008

Imagens

Resolvi mudar a ordem do post abaixo. Achei melhor avisar aos desavisados que estou incluindo fotos bem gráficas da cirurgia. Então se você é do tipo mais sensível (como eu sempre fui), pode ir parando por aqui. Não mova o cursor nem mais um milímetro e leia o post seguinte, bem explicadinho e com ilustrações bem didáticas.

Depois do disclaimer acima, sigo em frente. Agora, todo mundo já sabe que este post é para quem tem estômago forte, curiosidade excessiva ou espírito mórbido.

Ontem, pela primeira, vez vi as fotos da cirurgia e revi as fotos do tumor, esta massa doente e silenciosa que habitava meu fígado há tempos...

Pensei se deveria ou não postar as fotos aqui, pois são bem fortes, mas como na minha vida sempre prefiro encarar tudo de frente, isso não seria diferente. E desta forma mostro-me por inteiro, não só despida, mas mostro também as minhas entranhas. Eu, que sempre fui reservada, aos poucos começo a, literalmente, me conhecer melhor, me enxergar de forma diferente, me ver por outros ângulos. E acho que de uma vez por todas entendo que realmente não vim a este mundo a passeio...

Olhando estas imagens dá para ter uma idéia melhor da pauleira que foi esta cirurgia e de quão fundo fui tocada, furada e remexida. Não dá pra passar por uma experiência destas e não repensar a vida. Não dá para ter um troço destes retirado de dentro da gente e não se perguntar o que mais precisa sair. Não dá para olhar para tudo o que passei e me perguntar o que devo tirar desta experiência tão intensa. Como dizem os americanos, some food for thought...




A foto acima é do momento que os médicos chegam ao meu fígado. A aparência de um fígado normal é assim mesmo...a cor vermelha escura, uma textura meio granular.



Acima, a parte do fígado que foi ressecada. O tumor é só uma parte dela, a área mais arredondada. Os médicos operaram com uma margem bem generosa. O tumor tinha uns 6 ou 7 cm de diâmetro e os médicos tiraram quase 13 cm, ou 40% do meu fígado.




Mãos milagrosas cortam, recortam e costuram meu fígado de ouro.
Coisa de filme, não? Pois é, devo ter levado uns 2000 pontos!

January 18, 2008

Colocando Planos em Prática

Hoje, acordei com uma importante missão a cumprir. Preciso ligar para a University of Maryland e colocar meu cargo à disposição. Em teoria foi o que fiz ao descobrir o tumor e a necessidade da cirurgia. Conversei com a minha chefa no dia seguinte e expliquei o acontecido. Disse que não sabia bem quanto tempo precisaria ficar aqui e que entenderia se eles precisassem preencher a minha vaga o mais rápido possível. Ela foi muito amável e compreensiva e disse que não iria tomar nenhuma decisão até que a cirurgia acontecesse.

Achei a atitude muito bonita e confesso que não esperava tanta consideração, tendo em vista que nos EUA não há legislação que protege o empregado num caso destes, pois lá assim como férias, a licença médica é concedida proporcionalmente aos dias trabalhados.

A verdade é que o trabalho não é tão interessante assim, pelo menos não para mim. O foco é muito local e a conexão com a universidade bastante fraca, ao contrário do que eu esperava. Mas o pior de tudo é mesmo a distância, 70 km de ida e mais 70 km de volta, todo santo dia, com ou sem neve. E para quem detesta dirigir como eu este pensamento é aterrorizante.

Meu coração está apertado. Depois de tanto batalhar um trabalho, vou entregá-lo assim de mão beijada. Depois de tantos meses de agonia, vendo a minha conta bancária cada vez mais magrinha, quando finalmente consigo trazê-la de volta a níveis normais, tenho que abrir mão disto? É muito chato. Mas acho que mais chato é me enterrar de vez num emprego que não me satisfaz e ainda exige horas diárias de tortura.

Este período para mim vai ser inesquecível. E o ano de 2007, que começou perfeito, vai ser para mim um ano insuperável, pois como dizia Charles Dickens, foi o melhor dos tempos e foi o pior dos tempos. Num ano que realizei o grande sonho de me unir para sempre à minha alma gêmea, também senti na pele e tive que enfrentar meus maiores temores: a perda mesmo que rápida e momentânea da minha saúde, materializada na forma do tumor, e a perda, mesmo que por escolha, do meu emprego. Eu que tinha sempre vivenciado a minha carreira na mais perfeita ascensão, tive que amargar meses de inércia e incerteza.

Mas o bom disto tudo foi que sobrevivi. E aprendi que com ou sem emprego, saudável ou não, eu continuo a mesma pessoa, cheia de conflitos, cheia de dúvidas, mas cheia de amigos que torcem por mim. E isso deve me bastar.

Então encerro este post ainda tomando coragem para fazer a tal ligação que tenho evitado nos últimos dias, mas deixo aqui uma das minhas passagens preferidas do escritor inglês e imortal Charles Dickens:

It was the best of times, it was the worst of times, it was the age of wisdom, it was the age of foolishness, it was the epoch of belief, it was the epoch of incredulity, it was the season of Light, it was the season of Darkness, it was the spring of hope, it was the winter of despair, we had everything before us, we had nothing before us, we were all going direct to heaven, we were all going direct the other way - in short, the period was so far like the present period, that some of its noisiest authorities insisted on its being received, for good or for evil, in the superlative degree of comparison only.

Charles Dickens, A Tale of Two Cities - English novelist (1812 - 1870)

January 17, 2008

Sobre as Escolhas

Depois do terremoto que vivi durante as últimas semanas, finalmente aos poucos começo a ter uma vida mais ou menos normal.

Ontem fui conversar com o cirurgião, Dr. Joaquim Ribeiro, o médico que me operou as duas vezes e que, apesar de conviver com casos que variam entre graves e impossíveis, consegue manter um otimismo impressionante.

Fui vê-lo ontem com um misto de esperança e medo, pois só em falar neste assunto, muitas vezes já começo a chorar. E foi mais ou menos assim que comecei a nossa consulta, meio choramingando. Disse a ele exatamente tudo que o outro médico tinha me dito e que era praticamente o oposto do que ele afirmava. Desde a idade do tumor, até a minha dieta daqui para frente, passando pelas características do meu fígado, eles não concordavam e ainda não concordam em absolutamente nada. Mas o Dr. Joaquim foi muito firme e sereno durante a nossa conversa. Me explicou a cirurgia em detalhes, o procedimento de avaliação da amostra e o resultado contestável da biópsia. Lá pelas tantas eu disse a ele que comparando tudo que eu tinha ouvido na véspera com o que ele estava me dizendo naquela hora, parecia uma conversa esquizofrênica. Ele concordou e fez uma colocação que não me sai da cabeça desde então.

Depois de expor os fatos e me ouvir atentamente ele disse. "Então você vai ter que fazer a sua escolha. Não dá para escutar duas opiniões diferentes e antagônicas; você vai ter que escolher o caminho que quer seguir." E foi exatamente isso que fiz. Ali mesmo, naquela hora tomei a minha posição. Decidi acreditar que o tumor é resquício do tumor antigo e que foi todo retirado com ampla margem naquele dia quatro de janeiro. Decidi acreditar também que os 60% que restaram do meu fígado era mais que sadios e que ele agora é completamente normal e que posso seguir a minha vida sem medo.

Tudo isso me parecia tão distante há tão poucos dias que é inacreditável que a minha realidade tenha se transformado tanto em tão pouco tempo. Tudo que me restou da cirurgia foi a mesma cicatriz, que está um pouquinho inchada mas que pouco me incomoda e que tenho certeza é meu grande amuleto da sorte.

Acreditar na minha cura e ouvir meu corpo e minha intuição daqui para frente foram as primeiras decisões que tomei depois do grande susto, agora me preparo para tomar outra, não menos difícil.

Depois de um susto destes, qualquer um tende a reavaliar sua vida e comigo não é diferente. Há coisas que podemos ou não mudar. Voltar para Maryland não é uma opção a esta altura, logo remarquei nossa volta para o dia 12 de fevereiro. Mas retornar ao trabalho na universidade sim, neste momento é uma opção, pois por mais indesejável que seja deixar o emprego que mal comecei, é algo que ainda pode ser feito e justificado agora. Quem não entenderia a minha opção de não querer passar três horas diárias no trânsito e mais oito trancada numa sala sem grandes inspirações intelectuais?

Mas nestas horas bate um medo tão grande. Medo de me jogar de cabeça mais uma vez rumo ao desconhecido. Medo de deixar um trabalho, que por mais mundano que seja, me oferece uma boa estabilidade e salário certo no fim do mês. Medo de ter que começar do zero mais uma vez. Ou será medo de me lançar em busca dos meus sonhos, que de tão sufocados já nem mais sei se existem? Será que é chegada a hora de me jogar de cabeça e tirar este livro de dentro de mim de finalmente? Sempre culpei a minha vida corrida e a minha falta de paciência por não ter colocado esta idéia em prática até hoje, mas será que não foi por covardia? Sim, pois num livro o autor se expõe muito e não sei se estou preparada para isso. Sou muito sensível a críticas. Será que vou conseguir pôr a minha história ou qualquer história no papel? Será que vou conseguir traduzir este emaranhado de idéias e enredos que me assombram há tanto tempo? Será que algum dia meus pensamentos tomarão vida? Será que deixarão de ser só meus e vão ganhar o mundo? Será que eu posso sonhar de novo?

Só de pensar um pouquinho, vejo que esta cirurgia não mexeu só com o meu fígado, mas sinto que de repente pegou um pouquinho do meu coração. Não me causaria surpresa se isto tiver acontecido, tendo em vista que a tal veia cava, que no meu caso está toda mexida e costurada, vai direto do fígado até o coração. Pensando bem isto tudo começa a fazer um pouquinho de sentido...

Nenê

Ótimas notícias: o tumor retirado do testículo do jogador era benigno! Acho que isto quer dizer que depois de algum tempo em casa, ele já pode retomar sua rotina. Que alívio! Mais um motivo para rezar e agradecer mais e mais.

January 16, 2008

Direito à Privacidade

Nestes últimos dias tenho acompanhado de perto a situação do pivô brasileiro Nenê Hilário, que joga pelo Denver Nuggets. No começo da semana os boatos se espalhavam por conta da "doença misteriosa" do atleta. Vi até debates em sites de jornal sobre o direito de Nenê de manter sua doença em segredo. Confesso que me revoltei. Como assim uma pessoa não tem direito a um mínimo de privacidade numa hora dessas? Onde fica a dignidade deste povo que diz que pessoa pública não tem direito a isso. Não estamos falando de um atleta que foi flagrado de porre ao sair de uma boate, estamos falando de alguém que levava sua vida normalmente, honrando seus compromissos e obrigações mas que de repente vê o chão abrir sobre seus pés. Eu sei exatamente o que ele deve ter sentido, pois infelizmente já estive neste lugar horrível.

Que o ser humano às vezes tem uma curiosidade mórbida é sabido, mas esta obsessão precisa ter um limite. O que pouca gente sabe é que entre a descoberta da doença e o diagnóstico há um período tenebroso que se estende por alguns dias, quando não se tem idéia do que o futuro guarda para o paciente, ou pior não se sabe nem se há futuro.

As pessoas acham que a doença vem sempre envolta em segredo, que a família quer esconder o diagnóstico para poupar o paciente ou por algum outro motivo. Pouco importa. A verdade é que às vezes até o laudo final é difícil, pois os médicos não conseguem entrar em consenso, discordam sobre a natureza do tumor, sobre as imagens nos exames, sobre os prognósticos. Isto determina também o curso do tratamento. Imagina o que é ter sua doença divulgada pela mídia e todos os médicos do Brasil ( e por que não do mundo?) além de todos os que se acham médicos dando opiniões diferentes? Qualquer ser humano enlouqueceria.

Não sou uma pessoa pública e, especialmente nestas horas, agradeço a Deus, mas nem por isso escapei incólume da ignorância de muitos profetas do Apocalipse e até médicos, que na verdade eram verdadeiros monstros, que não se intimidaram nem um pouco ao declarar a minha morte iminente. Estaria mentindo se dissesse que tais impropérios não me abalaram, uns mais outros menos, e me pergunto como monstros como estes podem dormir ao encostar a cabeça no travesseiro a cada noite. Fico então só imaginando o coitado do Nenê, do alto dos seus 25 anos e em pleno ápice profissional, tentando proteger a si mesmo e a sua família. É coisa demais para alguém tão jovem assim.

Aprendi que a melhor coisa a se fazer com o medo é enfrentá-lo de frente e é por isso que não gosto de meias palavras e meias verdades. Encaro a minha situação e prefiro deixar tudo às claras, pois desta forma me fortaleço e torno-me menos vulnerável a este tipo de gente mesquinha. Tenho tido muita sorte, pois ultimamente este tipos abomináveis, estes vampiros de energia, têm se mantido bem longe de mim.

Desta vez fui ainda mais esperta. Já calejada desde a outra cirurgia, quando a comunicação foi um pouco difícil, mande um email para vários amigos dando detalhes sobre a minha situação. Escolhi o grupo a dedo, pois só queria energias e fluidos bons. Foi um sucesso. Eles só repassaram para quem realmente gostava de mim e todos formamos uma corrente de força e saúde. E aqui estou eu, surpreendendo os médicos e a mim mesma a cada dia, graças a esta corrente do bem. Espero que ela se estenda ainda mais e abrace o André Miragaya, os meus amigos do hospital Sr, Levi e Marcos e agora o Nenê Hilário.

January 15, 2008

Há Controvérsias...

Chego agora da minha primeira consulta pós-cirurgia. Gostaria de ter notícias animadoras ou pelo menos ter notícias, mas volto com as mesmas incertezas que tinha quando saí de casa mais cedo, aliás com as mesmas incertezas que tem me acompanhado nas últimas semanas. As mesmas incertezas de sempre.

Este médico, que é o clínico, afirma que o tumor retirado era novo. E vai mais além, o tumor inteiro era hepatocarcinoma, que não tem nada a ver com o tal do adenoma. Ele não sabe o que causa o tal tumor, talvez um alteração de DNA, mas que caso ele apareça de novo, temos que pensar em transplante, o que é ótimo, pois pelo menos é mais uma chance que tenho de ficar viva. Então tá. Vá dormir com um barulho destes!

E não pára por aí. Segundo ele, não há absolutamente NADA que possa ser feito para evitar que o tumor volte. Não há restrições alimentares, mudanças radicais no meu estilo de vida, medicamentos profiláxicos...NADA que possa me garantir absolutamente NADA! As estatísticas estão do meu lado de novo, como sempre estiveram, mas como todos sabemos, as estatísticas falham e muito.

Mais uma vez estou convencida que não há certezas nesta vida e em se falando de saúde ou doença isso tudo fica mais óbvio. De tudo que vi e ouvi nos últimos cinco anos, tiro as minhas próprias conclusões. Por mais que estudem e se esforcem para entender o corpo humano e determinadas doenças mais complicadas, os médicos sabem quase nada -- o que fica muito claro no meu caso, quando cada médico, às vezes da mesma equipe, tenta me explicar o meu tumor ou o que acontece no meu fígado.

Durante os últimos cinco anos acompanho tudo de perto, através de exames de imagem e de sangue e aposto que se alguém olhar meus resultados vai dizer que sou mais saudável que 99% da população viva: colesterol baixíssimo (que causa uma inveja danada no Blake), hematócrito, triglicerídeos, todas as enzimas hepáticas...tudo perfeito! E no entanto carregava mais uma vez uma bomba no meu fígado. Quem explica uma coisa dessas? Eu que não fumo, não bebo, tenho uma vida supersaudável, mantenho meu peso e nem remédio tomo! Mas estas coisas acontecem.

Confesso que chorei durante a consulta, afinal quem não choraria diante de uma sentença tão dura, onde não há certeza ou garantia algumas? Mas já enxuguei minhas lágrimas e estou disposta a colocar isto tudo para trás mais uma vez. Ainda esta semana vejo outro médico, o cirurgião, e certamente vou postar aqui a nossa conversa. Ele diz que o tumor é velho e que removeu tudo e mais um pouco, logo já estou curada. Acho que prefiro ficar com a opinião dele!

O fato é que já tenho ciência do meu problema e acredito tê-lo resolvido, então agora devo me preocupar em viver. A coisa boa para gente que vive em estado permanente de prontidão como eu é que a gente sabe melhor da importância e da urgência da felicidade. Eu não posso esperar para ser feliz, pois mais do que a maioria das pessoas, sei que meu tempo aqui é finito. Sei que ninguém é eterno e que tem muita gente saudável que vai acabar indo na minha frente mas, por enquanto, eles não têm que se preocupar com isso. Sei que Deus é maior do que tudo e pode me fazer ficar aqui até os meus 90 anos, então talvez este seja o verdadeiro presente: aprender a viver cada momento como se ele fosse único e não esperar o dia de amanhã para ser feliz. O meu futuro é hoje e a minha vida é agora.