October 22, 2012

O dia que eu deveria ter morrido…










22 de outubro de 2002 – uma terça-feira normal para todo mundo, mas não para mim. Ainda me lembro de ter acordado relativamente cedo, tomado café e logo depois ter partido rumo ao hospital, onde não fazia ideia do que me esperava.  Menos de uma semana antes, tinha recebido o diagnóstico de que um tumor gigante no meu fígado teria que ser retirado às pressas. Segundo o médico, se por algum motivo o tumor que já tomava boa parte do meu fígado rompesse, eu morreria imediatamente de hemorragia.

Eu, que nunca tinha sequer dado entrada num hospital, estava chocada demais para ficar assustada. A única coisa que sabia é que a tal cirurgia me deixaria com uma cicatriz enorme que atravessaria meu abdomen. Sabia também que precisaria de transfusão de sangue pelo porte da intervenção, mas para dizer a verdade, não fazia ideia do risco que corria. Uns chamam de autopreservação, outros de mecanismo de defesa. O que quer que tenha sido, encarei o dia mais importante da minha vida, como um dia normal.


Já no hospital, recebo a visita da representante do banco de sangue. Ela queria me ver antes da cirurgia e me dizer que eu era uma pessoa muito querida, pois em pouquíssimos dias tinha conseguido uma doação de sangue record. Ao contrário do que ela pensava, este mérito nunca foi meu, mas de tantas pessoas que cruzaram o meu caminho naquele dia. Muitos doadores eram amigos muito próximos e familiares, mas outros tantos eram amigos de amigos e amigos de amigos de amigos, que sequer me conheciam. Em pensar que a eles devo a minha vida...a esta enorme corrente do bem.  Devo minha a minha vida a muita gente – médicos, enfermeiros, amigos, familiares, e até a estranhos que decidiram que naquele dia iam me salvar.

E 11 horas, três choques hipovolêmicos  e 10 litros de sangue depois, eu lutava pela vida num leito de CTI. Pouco me lembro das primeiras e cruciais 72 horas. Me lembro do anestesiologista que acariciava meu cabelo e me dizia que eu tinha dado muito trabalho durante a cirurgia. Me lembro dos enfermeiros que se alternavam espremendo chumos de gase molhada nos meus lábios, me lembro do escuro, do barulho dos aparelhos e da sensação de solidão que me acompanhou pelos cinco dias que fiquei por lá.

Não me saem da memória também três “enfermeiros” que guardavam meu sono à noite: uma mulher ruiva de cabelos ondulados, um homem branco calvo e um homem negro alto. Minha grande surpresa foi descobrir que ninguém com estas características fazia parte da equipe de enfermagem do CTI do Copa D’Or...  Como existem coisas  que ninguém consegue explicar, decidi que aqueles três eram meus anjos da guarda. Aliás, depois da doença aprendi que existem muitas coisas sem explicação...e aos poucos, vou aprendendo a conviver com elas.

Olho para trás e vejo os últimos 10 anos como um período de aprendizado intensivo. Suo eternamente grata por ter vivido coisas que no meu caso poderiam facilmente nunca ter acontecido: conheci pessoas fascinantes, lugares novos, vivi experiências marcantes – encontrei a minha cara-metade, juntos lutamos e conseguimos enfim trazer ao mundo nosso filho, Joaquim, que por muito pouco poderia não estar aqui. E ao olhar para ele esta manhã, foi difícil conter as lágrimas quando me dei conta que o resto da minha vida havia começado extamente naquele dia de outrubro de 2002. Durante os últimso dez anos, aprendi bastante, ganhei muito e também perdi – uma das pessoas mais importantes para mim.

A experiência da doença me deixou muitos ensinamentos. Depois de tudo que passei, gostaria de dizer que me tornei uma pessoa mais calma, mais iluminada e melhor. Mas estaria mentindo. Continuo sendo eu...um pouco mais humilde, muito mais sensível e 100% humana.