September 29, 2008

Tortura

As visitas ao hospital são sempre uma verdadeira tortura, carregadas de angústia e apreensão. A verdade é que por mais complicada que a situação esteja existe sempre aquela esperança de que algum mensageiro de Deus na figura de médico vá nos trazer as notícias que tanto queremos ouvir.

Mas não é o que tem acontecido. O médico apesar de muito dedicado e acessível não esconde o desânimo, o que é péssimo para a família do paciente, tão desesperada por encorajamento e boas-novas. É duro, muito duro.

É tão difícil ver meu avozinho, do alto de seus 80 anos, chorar pela companheira de 59 anos. Ele ali tão frágil, tão perdido. Minha mãe e meus tios também tentam ser fortes, mas nestas horas é quase impossível. Volta e meia, alguém cai no choro e então todo mundo, que até então segurava as lágrimas, não agüenta e chora junto.

Procuro ser positiva, afinal a minha avozinha ainda está viva e lutando muito, mas cada dia que passa sem notícias boas, levo um golpe. Hoje, apesar de tudo, por algum motivo absurdo, tive um pouco de esperança.

O problema é a embolia e o trombo que se encontra no pulmão dela. Esta situação precisa ser resolvida o mais rápido possível -- ou o trombo se dissolve ou o sangue encontra canais alternativos para circular. Mas todo e tempo é precioso, então hoje mais do que nunca vou rezar para este trombo diminuir agora. Vou rezar para que o dia de amanhã seja melhor que o de hoje e que as notícias sejam enfim positivas.

Dói demais ver a mina avozinha lá deitada, imóvel, inchada, espetada...naquela sala fria e inóspita. Vou pensar nela aqui, sentadinha na poltrona vermelha que ela tanto ama, na casa da minha irmã com a Kika no colo. Vou imaginá-la usando a roupa nova que ela comprou no aniversário dela, há apenas duas semanas. Vou imaginá-la ao meu lado sorrindo, como sempre.

Preciso que ela me veja nem que seja uma vez mais para que ela saiba o quanto a amo e o quanto preciso dela.

Vou rezar por ela. Eu também acredito em milagres.

September 28, 2008

A angustia continua...

As visitas ao hospital sao muito dificeis, pois ver a minha avo naquele leito e duro demais. Imaginar que ha duas semanas ela celebrava seus 80 anos e estava tao bem...

O quadro continua grave e, de acordo com o medico, e mais grave do que semana passada por conta da embolia e dos trombos, o que torna tudo muito imprevisivel.

Estou cansada de saber que ciencia nao e matematica. Os medicos de plantao que me perdoem, mas cada vez mais chego a conclusao que na condicao de pacientes somos meras cobaias nas maos de medicos, que por mais que se esforcem em nos entender, muitas vezes estao tao perdidos quanto nos, reles mortais. Eles ate querem ter todas as respostas...mas no fundo tem muito mais duvidas.

Olhando pra minha avozinha ali, tudo que peco e que Deus a tire daquele lugar e que se ela tiver que partir, que nao seja naquela UTI escura e fria, que seja depois, em casa ao lado da familia. Feliz. Infelizmente falo com conhecimento de causa -- eu detesto escuro e frio, detesto cama dura e colchao plastico, detesto tubos e cheiro de hospital, detesto doenca -- so quem passou um dia numa UTI sabe do que estou falando.

A minha avo adora viver, mais do que qualquer pessoa que tenha conhecido, entao luta bravamente, do alto de seus 80 anos. Ela luta porque quer ficar conosco, porque quer brincar com a bisnetinha dela e celebrar os 60 anos de casamento em julho do ano que vem. Ela luta porque quer passar mais um Natal em familia, e pelo simples fato de AMAR a vida, como ela sempre diz.

O mais triste e pensar que ate muito pouco tempo atras isto parecia tao possivel e proximo e hoje, a simples presenca dela nao passa de um enorme ponto de interrogacao. Procuro nao pensar no pior, mas vez ou outra, pensamentos sinistros tentam se instalar em mim. Me esforco para mante-los longe e como sempre penso no proximo Natal, o Natal deste ano que TEM que ser feliz. Vejo a minha avo sorridente trazendo a torta de nozes, especialidade dela e receita de familia, ganhadora de premios e tudo. A tal torta deliciosa que ainda nao aprendi a fazer... Sera que ainda ha tempo? Sera que ainda vou poder aprender com ela?

Meu ultimo Natal foi muito triste. Apesar de estar reunida com a minha familia aqui no Rio, tinha acabado de saber que a minha segunda cirurgia hepatica era inevitavel. Naquele momento tambem tive tantas duvidas, o futuro me parecia tao incerto como nebuloso... Mas pedi muito a Deus para que o Natal de 2008 fosse perfeito e que eu vivesse para ver aquilo. Eu estou aqui e saudavel, mas agora continuo pedindo muito a Deus para que a minha avozinha esteja aqui conosco para celebrar mais um Natal, muito mais feliz do que aquele que passou...

No Rio

Cheguei ao Rio ontem. Esperando ver a minha avó consciente e fora do respirador, que tinha sido retirado na quinta-feira, mas infelizmente não era isto que me esperava. Depois de ter uma grande melhora dias antes, o quadro se agravou nas últimas horas e ela está de volta no tubo e agora os médicos tratam uma trombose. É muito duro vê-la nestas condições, mas os médicos continuam otimistas e acham que o quadro pode ser revertido dentro de sete a dez dias.
É muito sofrimento... É aquele buraco no meu peito que teima em não fechar. O que mais quero no mundo é poder abraçar a minha avozinha e vê-la fora daquele CTI.
Continuamos rezando e pedindo a Deus pela vida e pela saúde dela.

September 24, 2008

À espera boas notícias

Minha avó continua na UTI, mas ao que tudo indica a situação está melhorando. Hoje, mais uma vez, minha família vai visitá-la à tarde. Continuo rezando por boas notícias. Mal posso esperar para saber que ela está fora da UTI ou ao menos respirando sem a ajuda de aparelhos.

Nunca pensei que esperar fosse tão doloroso.

September 23, 2008

Minha Avó em dois tempos




Consegui escanear estas fotos antes do meu casamento, no começo do ano passado. A minha avó ficou animadíssima e logo se pôs pronta a revirar os arquivos de família em busca de retratos antigos. Até foto da bisavó dela achou. (Aliás, quando pequena ganhei uma gincana que pedia a foto mais antiga. A minha, ou melhor, a da bisavó da minha avó quando pequena não teve nenhuma concorrência!)

No nosso casamento, o Blake e eu fizemos questão de dar destaque à importância da nossa família em nossas vidas, mas para a ocasião, preferimos parentes mais próximos.

Os avós fizeram parte do cortejo e durante a recepção espalhamos antigas fotos de família pela biblioteca da Villa Riso. As fotos dos casamentos tiveram lugar especial.

Como brinde, consegui várias fotos antigas para meu arquivo pessoal. Resolvi postar aqui duas: uma da minha avó de noiva e outra dela bem pequena, com a minha bisa e com meu tio-avô Hugo. Detalhe é que a minha avó é a criança de cabelos mais curtos e escuros.

Avó & netos

Quem me conhece sabe da ligação fortíssima que tenho com a minha avó. Ela sempre foi uma figura muito presente na minha vida. Por causa da profissão arriscada do meu pai, minha mãe optou por morar perto da família – por questões sentimentais e financeiras.

A convivência diária com nossos avós foi o melhor presente que meus pais poderiam nos dar. Como diz a minha irmã, meus pais tiveram a melhor babá do mundo e nós tivemos a melhor professora, pois foi com a minha avó que aprendemos a ler e foi com ela que fizemos todos os deveres de casa até o segundo-grau!!!

No meu trabalho, isto era motivo de piada. Qualquer dúvida que qualquer um de nós tivesse sobre a língua portuguesa, eu ligava para a minha avó na mesma hora. É com dois esses ou cedilha? Tem hifem ou não? A minha avó responde na hora, na lata, explica tintim por tintim e todo mundo aceita. E quando ela tem uma pontinha de dúvida, sai correndo e pega o Caldas Aulete, que ela pediu de Dia das Mães há alguns anos. Antigamente era o Aurélio, mas ela disse que o Caldas Aulete é mais atualizado e quando a minha avó diz alguma coisa sobre educação a gente não discute, implementa.

A minha avó sempre trabalhou, numa época que a maioria das mulheres ficava em casa. Ela nunca foi madame e até hoje tem muito orgulho de ser professora formada pela Instituto de Educação, nos áureos tempos, nos “anos dourados”, como ela gosta de chamar. Apesar de bastante tradicional, a minha avó sempre foi feminista, pois uma das condições impostas ao meu avô, depois de ter aceito o pedido de casamento, foi poder continuar na carreira que ela sempre tinha sonhado. E ele acatou.

A paixão dela era ensinar e foi na sala de aula que ela ficou, até se aposentar. Mas depois da aposentadoria continuou ensinando aos netos em casa. Foi ela que me deu meu primeiro livro, muito antes de eu pensar em começar a ler. Foi na frente dela também que li minha primeira palavra: “faísca” num rótulo do produto de limpeza. Ainda me lembro da alegria dela ao ouvir aquilo na cozinha. Quando eu disse a ela que não tinha lido nada, pois na verdade eu sabia que o nome do tal produto era “faísca” e eu só tinha memorizado, ela não se fez de rogada. “Mas é assim mesmo que se começa. Você está alfabetizada!” Achei melhor não discutir, mas depois disto comecei a ler outras palavras e não parei mais. Graças à paciência e à insistência da minha avó, comecei a ler e devorar todos os livros que via pela frente.

Foi a minha avó também que decretou que eu tinha talento para línguas. Como ela, eu sempre gostei de gramática e de português. Comecei a aprender inglês e para minha surpresa vi que tinha grande facilidade. A minha avó então resolveu me dar um empurãozinho. Como é descendente de alemães, achou que eu deveria tentar aprender o idioma e se propôs a pagar meu curso. Dito e feito. Graças a ela, mais um idioma no meu currículo. Depois do alemão, francês e espanhol. Não sou nenhuma maravilha, mas não digam isso a minha avó!

Mas não é só a minha parte intelectual que teve grande influência dela. A parte emocional também, pois ela desempenha com perfeição o papel de avozinha, aquela que faz bolos deliciosos, que conta histórias interessantíssimas e que reúne a família em torno dela em ocasiões especiais. Verdadeira matriarca sem querer ser, pois ela não gosta muito de ser o centro das atenções. Mas é. Não só o centro das atenções como o motivo de orgulho e alegria para cada um de nós e hoje razão de cada uma das nossas orações.

Fique boa logo, Rutinha, preciso dizer isto a você pessoalmente.

September 22, 2008

Mais um dia em Hopkins

Hoje foi dia de Hopkins e foi tudo bem. Fiz todos os exames e fui atendida pelo médico em duas horas. Impressionante. Inacreditável. Laudo final: “ausência de malignidade e de metástese.” Isto é tudo que eu queria ouvir. Mas hoje não vou gritar nem chorar de alegria. Estou muito feliz, mas a felicidade não pode ser completa.

Entendo perfeitamente o que isto significa para mim: estou saudável, mas o que doeu mais hoje foi um telefonema que não pude dar. Não pude ligar para minha avozinha no Rio que sempre aguarda ansiosa por notícias minhas. Dói demais saber que ela não pode falar comigo, que não pode ficar feliz por mim hoje, como ela sempre fica. Só me resta rezar para poder dividir esta notícia com ela em breve, mas este breve às vezes me parece tão distante...

E aquele buraco no meu coração não quer fechar... Dói demais.

Hoje é dia de Hopkins

Esta última semana foi tão conturbada que pouco pensei no dia de hoje. Melhor assim.

Com a minha avó ainda na UTI parece um egoísmo muito grande eu ficar preocupada com os meus exames hoje. Se Deus quiser, vai dar tudo certo e à noite só vou ter notícias boas para dividir com vocês.

Pensamento positivo sempre. A cabeça está girando a mil por hora. Difícil de me concentrar hoje.

Dias melhores virão. Agora só quero pensar na minha avozinha fora daquele hospital, pois é uma covardia muito grande imaginá-la entre tubos, fios, catéteres e drenos, sem poder falar ou sequer se mover. Só de pensar que ela estava perfeita há menos de uma semana dói demais.

September 21, 2008

Ansiedade

Hoje quando acordei senti meu corpo todo dolorido, como se tivesse sido atropelada por um caminhão. Só pode ser stress.

O estado da minha avó continua estável, mas ao menos não houve piora e se os exames melhorarem, os médicos vão começar a pensar em suspender a sedação e remover o tubo.

A parte mais complicada disto tudo é estar longe e depender de relatos terceiros para tentar entender e absorver uma situação que parece surreal. É tudo muito distante e nebuloso. Chega a ser aterrorizante. O Blake tem sido fenomenal, mas nada substitui o contato real com quem está na mesma situação que a gente. Nestas horas a gente precisa de colo e precisa dar colo, e estando distante não dá.

Somado a este stress enorme, amanhã vou ter que chegar no trabalho antes das sete da manhã, pois vou sair na hora do almoço para os meu exames em Hopkins. Eles estavam marcados para dia 29 de setembro mas por causa de uma reunião de trabalho, tive que adiantá-los para amanhã. A tomo começa às 13.00, depois rumo para o exame de sangue (se Deus quiser, já com a acesso lindo no braço direito), e finalmente minha jornada chega ao final no consultório do Dr. Pawlik.

Por favor, meu Deus, preciso de boas notícias.

September 19, 2008

A angústia da espera

Não existe nada mais angustiante do que esperar por notícias sobre a saúde de quem amamos. Minha família sempre me disse isto, mas até agora nunca tinha experimentado este sofrimento, pois só estive do outro lado. O outro lado é péssimo também, não me entendam mal, mas esta impotência de quem espera do lado de cá parece que come a gente por dentro.

Tudo que ouvi hoje me fez lembrar uma conversa que tive com o Dr. Ary Ribeiro, que na época era diretor médico da Clínica São Vicente da Gávea, onde fiquei internada depois de complicações na minha primeira cirurgia de fígado. Fiquei lá umas três semanas. Não cheguei a ficar no CTI, mas os médicos me queriam lá para me monitorar e tentar descobrir a razão do meu derrame pleural e fazer mais uns inúmeros exames.

Já pela segunda semana eu começava a me revoltar. Estava lúcida, bem disposta e me sentia pronta para ir para a casa. Não agüentava mais comida de hospital, soro, "procedimentos", ressonâncias, visitas médicas e aquela cama dura. Eu queria ir para casa; estava consciente e alerta, implorava para ter alta.

Um dia, por algum motivo qualquer, a minha família toda estava fora do quarto (acho que devem ter pedido que o Dr. Ary, um médico excelente e ser humano muito sábio, fosse dar uma palavrinha comigo)e o médico chegou. Entrou no quarto e me encontrou impaciente e inquieta. Não fiz questão nenhuma de esconder a minha insatisfação de estar ali. Disse a ele que estava fazendo tudo que eu podia para sair do hospital o mais rápido possível: comendo aquela comida insossa até dizer chega, levando espetada e furada sem dar um ai, tomando soro, remédio e cumprindo todas as ordens médicas para quê? Eu continuava ali; continuava internada e sem previsão de alta.

Ele olhou para mim muito serenamente e me disse uma coisa que vou me lembrar para sempre. "Esta decisão não é sua. Você não tem o controle da situação. Para você, uma moça muito ativa e decidida é muito difícil aceitar que não há ABSOLUTAMENTE nada que você possa fazer que vai tirar você daqui mais rápido. Você está fazendo o que pode, mas não depende de você, então o melhor que pode fazer por si mesma é abrir mão do controle da situação. Você acredita em Deus, então deve entregar este controle nas mãos dEle, pois só Ele pode tirar você daqui, na hora que Ele achar que deve. Você tem como ajudá-lo, e agora o melhor a fazer é entregar sua causa a Ele."

Aquelas palavras me atingiram lá no fundo. Foi ali, pela primeira vez que me vi cara a cara com a minha fragilidade. Até aquele momento ainda guardava uma certa arrogância, tinha uma vaga idéia de que cabia a mim mudar o meu destino. Mas foi naquele quarto de hospital que tive a minha fé posta à prova mais uma vez e por completa falta de opção e desepero, deixei que Deus tomasse as rédeas. Mergulhei no fundo para voltar a superfície, mas voltei renovada.

Hoje, quase seis anos depois, me encontro mais uma vez numa encruzilhada, desta vez de um lado diferente, mas não menos doloroso. Mais uma vez queria que houvesse muitas coisas que eu pudesse fazer. Queria que a minha simples presença ao lado da minha adorada avozinha resolvesse todos os problemas, como num passe de mágica. Mas estas lição, por mais dura que seja, eu já aprendi seis anos atrás. Sei que não tenho este poder.

A mim só me resta a espera e a fé de que a minha avó vai sair desta bem e que na segunda-feira já vai estar indo pro quarto. E no final da semana já vai estar rindo e embalando a nossa Chiara nos braços, como na foto do post aí embaixo.

Fica firme, Rutinha, você sempre foi meu exemplo. A gente ainda vai respirar aliviadas juntas depois desta. Te amo vovó, fique bem. Deus está do nosso lado, mais uma vez. Até dezembro.

September 18, 2008

Minha Avó


Hoje está sendo um dia difícil para mim. Aliás, desde semana passada tenho estado bastante tensa por conta de um procedimento ao qual a minha avó foi submetida ontem à noite. A última notícia que tive foi de que houve alguma complicação no final e agora a minha avó se encontra em coma induzido. Segundo a plantonista da clínica, o estado dela é estável. Será que alguém poderia fazer o favor de me explicar o que é isso? Não sou médica, não sei. Depois de passar a noite em claro, estas são as únicas notícias que tenho. Sinto meu coração bater forte. Um gosto ruim na boca. Uma angústia que não me deixa respirar direito.

Faz uma semana que não durmo bem. Ontem, nos poucos minutos que consegui cochilar, tive pesadelos. Hoje sinto um aperto terrível no peito. Nestas horas é que a gente sente como é horrível estar longe. Esta distância, esta sensação de impotência... Ainda mais para alguém como eu, que gosta sempre de acompanhar tudo de perto, de fazer perguntas, de tentar entender o que se passa. Este exílio é um castigo.

Ontem a minha avó fez uma ablação cardíaca, um procedimento minimamente invasivo que tenta corrigir arritmias, que são batimentos irregulares no coração. Depois de muito pesquisar, cheguei a conclusão de que os riscos eram mínimos, mas nem assim fiquei em paz.

Nos últimos anos a minha avó tem sido uma guerreira, passando por uma cirurgia após a outra. Nestes últimos cinco anos ela operou hérnia, teve linfoma, operou o colo do fêmur, catarata, mas nada disso tirou a força dela. Também teve um período de depressão, depois que começou a sentir os batimentos irregulares e passou a enxergar mal, depois de ter feito a primeira cirurgia de catarata, já que os graus de miopia ficaram muito diferentes. Ficou mal há alguns meses, mas depois de tratada, voltou a ser a Rutinha de sempre, forte e corajosa.

A minha avó fez 80 anos sábado – o tempo passa muito rápido. Teve direito a uma bela festa e estava linda e feliz, cercada da família que tanto ama. Pena que não pude estar lá com ela, celebrando a vida de quem sempre teve uma influência enorme sobre mim: foi ela que me apresentou a coisas que acabaram por formar a minha personalidade, como literatura, ballet e música clássica. Ela tem uma importância tão grande para mim que toda noite rezo para que Deus deixe meus avós por aqui para que meus filhos tenham o privilégio de conviver com eles. Meu avô também é um caso à parte, mas deixo para outro post, pois hoje não consigo pensar em nada, este aperto no coração me sufoca. Só me resta rezar para que mais uma vez a miha avozinha saia desta forte como sempre e que continue por muitos anos por aqui com a gente, esperando os meus filhos chegarem.

Minha avozinha

A situação ainda é séria. Por favor, continuem rezando pela minha avozinha.
Precisamos de força e fé mais do que nunca.

Immerman Angels


Esta semama descobri por acaso a Imerman Angels, uma organização muito bacana. A idéia é simples e ao mesmo tempo fabulosa: conectar sobreviventes de câncer entre si e formar assim uma grande rede de apoio e solidariedade.

A missão deles é que até janeiro de 2013 todo paciente de câncer nos EUA terá acesso livre a um sobrevivente de câncer dentro de 24 após seu diagnóstico.

Só quem já andou por esta estrada sabe como o caminho e delorido e solitário. Como me disseram uma vez, enfrentar o câncer é um pouco como enfrentar a morte: todo mundo apóia, todo mundo torce, todo mundo reza, mas no final é só com a gente e com Deus. O câncer também é assim -- temos tantos medos, tantas dúvidas, tantos questionamentos...e e nenhuma resposta.

Então a idéia de fazer com que você tenha acesso rápido a alguém que já sentiu na pelo o que você está sentindo hoje é fenomenal. Só de ouvir aquela voz, pensar que aquela pessoa realmente existe faz a gente acreditar que a vitória é possível, que os desafios se apresentam diante de nós para serem enfrentados com garra.

Conversei um tempão com o Jonny Imerman, que depois de enfrentar um câncer no testículo aos 26 anos, resolveu fundar a organização. O cara é muito empolgado e cheio de energia, dá para sentir na voz. A gente acabou vendo que tinha muito em comum: personalidade, idade, histórico de vida, interesses e até conhecidos... Foi uma conversa ótima que só ficou um pouquinho triste no final, quando lembramos de tantos jovens, também cheios de vida e garra que infelizmente acabaram nos deixando. Foi então que o Jonny me disse uma daquelas frases que vou guardar para sempre comigo. "É realmente muito triste quando perdemos alguém para a doença; esta é a parte mais difícil do nosso trabalho. Mas é justo por causa destas pessoas, que não podem estar aqui agora para continuar a luta, que continuamos trabalhando. É pensando no Felippe e em tantos outros jovens corajosos que acordamos todos os dias dispostos a fazer diferença e a trabalhar cada vez com mais garra e mais paixão para oferecer apoio, ajuda e acesso àqueles que ainda estão por aqui."

Falou e disse. Sinto a mesma coisa.

September 17, 2008

Companheira de Luta

Não, não me filiei ao PT nem virei fã do Lula, mas hoje me deram o contato de uma jovem de 22 anos que sobreviveu a um câncer de fígado. Não sei muito sobre ela ainda, mas ela é estudante de enfermagem em UPenn e, ao que parece, fez um transplante no ano passado.

O contato foi feito através de uma organização de Chicago que coloca sobreviventes e familiares em contato uns com os outros. Depois conto mais. Estou animadíssima.

Acho que no total agora estou envolvida em três ou quatro organizações deste tipo aqui nos EUA. É impressionante como o povo aqui é engajado e leva este tipo de iniciativa para frente. Me faz muito bem covnersar com gente assim, gente que me inspira e anima. Ainda acabo levando uma organização destas para o Brasil, tào carente deste tipo de coisa.

Depois explico em mais detalhes. Agora tenho que continuar organizando o nosso painel sobre testes clínicos para pacientes de câncer.

September 16, 2008

SeventyK Blog - A minha história

Enquanto a Rossana e eu estamos traduzindo o site da Seventyk.org para o português (na verdade, a parte dela está pronta e eu estou juntando com a minha para revisar o conteúdo todo!), o pessoal da organização pediu para colocar a minha história no blog deles.

Esta história já saiu no livrinho dos sobreviventes aqui de Carroll County, onde eu moro, mas acho que a Internet ainda alcança um público diferente e muito maior. Adorei o título que eles deram para o post "2x Cancer Survivor and Living Life!" Às vezes até me pergunto se esta história é minha mesmo, pois tudo ainda me parece surreal. De qualquer jeito, como a gente diz por aqui, acho legal divulgar o meu testemunho "for all its worth." Se servir para animar alguém que está travando uma luta parecida, já vou ficar mais do que satisfeita.

Em breve, o site em português da SeventyK.org vai estar no ar, então aviso por aqui.

Sobre americanos, testamentos e dívidas


Americano é povo meio obsecado com esta história de planejamento financeiro. Aliás na verdade a questão é um paradoxo enorme, pois se como a Dri bem colocou, eles têm testamento aos 20 anos, muitos têm dívidas astronômicas que incluem vários cartões de crédito, student loans (ou créditos educacionais), prestação de imóveis e etc. Dinheiro no bolso que é bom, nada!

Lembro que quando morava em Nova York com meus vinte e poucos anos, vários amigos meus tinham dívidas de US$80 mil!!!! E vocês acham que alguém deixava de fazer alguma coisa por isto? De jeito nenhum! Continuavam viajando para os quatro cantos do planeta, comprando nas lojas mais caras de Manhattan e rolando o crédito. A minha mãe sempre fala que eu já tinha previsto esta crise havia mais de 10 anos. Era só olhar para o povo na rua para perceber que muita gente não tinha cacife para levar a vida que levava. O resultado a gente vê hoje. Como dizia um colega de trabalho, "sou americano típico, não tenho um tostão guardado. Minha liquidez é zero!" E ele é um cara inteligentíssimo, jornalista financeiro... Como diz a minha avó, casa de ferreiro, espeto de pau.

Então é por isto que acho engraçado a obsessão que o povo aqui, ou pelo menos os hospitais, têm com o testamento, que aqui é chamado de "living will," que dá plenos poderes à família e aos médicos sobre o quefazer caso o paciente não tenha condições de tomar decisões por si só. Além do tal "living will", parece que eles agora querem fazer parte do testamento normal mesmo. Toda vez que vou ao hospital eles me dão trocentos formulários para preencher -- é o medo de processo judicial! -- e sempre tem uma folhinha lá perguntando se eu tenho a tal "living will" e me dando informações de como posso fazer para atualizar ou criar meu documento. Além de quererem se livrar de qualquer responsabilidade ainda querem dar uma mordida na minha carteira?!

Sempre fui muito precavida -- tenho seguro de vida, plano de saúde super-ultra-completo(também nas minhas condições não dá para abrir mão dele!), previdência privada, continuei contribuindo para o INSS (sempre disse que era otimista!!) e para o Social Security Americano, etc, etc. Obviamente tenho meus designatários registrados aqui no trabalho e no Brasil, mas no momento ainda não quero pensar no testamento não... Fazendo um trocadilho com a palavra em inglês, como disse uma colega de trabalho, no momento, "my only will is to live!" And that's that.

Se o povo aqui adora um testamento, discutir sobre regime de bens em casamento é um grande tabu, então não podemos estranhar quando todo divórcio americanos é uma confusão só e volta e meia uma celebridade vai parar nas páginas de jornais por conta disto. No Brasil a coisa é muito mais civilizada com o regime padrão de comunhão parcial de bens lavrado já na certidão. Se o frenguês quiser algo diferente que faça pacto antinupcial, caso contrário vale o que está escrito. Simples e direto. Quando dei entrada na papelada para o casamento, expliquei tudo direitinho pro Blake e ele estranhou muito o meu jeito non-chalant de abordar questão tão complicada. Expliquei para ele que para mim a questão não tinha nada de complicada, era só justiça. Como nenhum de nós era milionário (que pena!), não tínhamos medo do golpe do baú, então o regime padrão nos atendia bem. O que era meu antes do casamento continuaria sendo meu, o que era dele (incluindo a casa) continuaria sendo dele, e depois de casados tudo que comprássemos seria dividido. Quer mais justo do que isso? Ele concordou, assinou a papelada e desde então vivemos felizes para sempre, sem dramas e sem medo de enfrentar um imbroglio jurídico made in USA. :)

Claro que ninguém casa para separar -- longe disto -- mas acho que certas coisas têm que ser acertadas antes dos papéis serem assinados: vai querer filhos? vai querer morar aonde? vai querer trabalhar ou espera viver à custa do marido/mulher? tem reservas financeiras? planos para aposentadoria?

Mas voltando ao bendito testamento, uma coisa de cada vez. Pode ser que depois que a gente conseguir comprar a casa nova e que a minha vida estiver mais estável eu faça um testamento -- por que não? -- mas por enquanto, concordo com a minha amiga aqui, my only will is to live, so, Hopkins, can you please leave me alone? A propóstio, não sou Leona Helmsley -- não possuo a fortuna dela e não pretendo deixar nada para o meu cachorro, que aliás nem tenho!

September 15, 2008

Sem Noção



Tinha até jogado a carta fora mas depois que me dei conta do absurdo, pelo menos a meu ver, do pedido, resolvi fazer um post só para falar sobre isso.

Há uns dias o Blake me disse que tinha chegado uma carta de Hopkins para mim. Normalmente eles mandam uma carta para confirmar ou cancelar a consulta, então não achei nada tão estranho assim.

Mas não era isto, pelo menos até agora minha consulta ainda não foi cancelada...Quando vi do que se tratava, um pedido de doação, já tratei de descartá-lo de cara, mas ao ver o anexo quase tive uma crise de riso. Nunca vi tanta falta de tato.

Para quem não sabe, sou paciente da unidade de fígado do Hospital Johns Hopkins, diga-se de passagem o MELHOR hospital do mundo, com direito a programa de tevê em rede nacional e tudo. Tenho certeza que meu prontuário lá deve dizer algo assim: “Paciente de 34 anos, câncer hepático tipo fibrolamelar, cirurgia em 2002, recidiva em 2007, nova cirurgia em 2008; tumor totalmente removido. Acompanhamento clínico a cada três meses.”

Não sei que tipo de data-mining eles usam para mandar mala-direta, mas perguntar a uma paciente de trinta e poucos anos se ela quer incluir Johns Hopkins Medicine no seu testamento é de uma falta de gosto tremenda!!! Tive que rir para não chorar de raiva.

Sei que estamos na Terra do Tio Sam, do capitalismo selvagem, dos grande fundraisers, mas perguntar a uma paciente que está juntando dinheiro para comprar casa e planejando a aposentadoria para daqui uns 30 anos, se ela deseja incluir um hospital riquíssimo no testamento que ela nem tem, parece coisa de louco.

Será que se eu incluir o hospital no meu testamento, meu atendimento vai melhorar, ou eles vão querer que eu morra mais rápido para só assim colocarem a mão nos meus parcos trocados? Por via das dúvidas, decidi que ainda não vai ser agora que o famoso Hospital de John Hopkins vai entrar na minha listinha de beneficiários. Nunca desmerecendo o trabalho brilhante da equipe médica, que se Deus quiser, não vai precisar encostar o bisturi em mim, mas é que ainda tenho muita coisa para fazer antes de pensar em quem vai herdar a minha fortuna que sequer foi construída... Pois é, Hopkins que me desculpe!

September 13, 2008

Gente que faz

Todas as quartas-feiras do mês de setembro e a primeira quarta de outubro a Escola da Medicina da Universidade de Maryland abre suas portas à comunidade através de um programa chamado Mini-Med School, ou Mini-Escola de Medicina. É uma forma muito legal de "retribuir" à comunidade. Qualquer um pode se inscrever e durante duas horas o público assiste uma palestra sobre um tema interessante ligado à saúde. As palestras são voltadas ao público leigo, sem conhecimentos de medicina ou biologia.

Como a minha chefe este ano está apresentando o programa, todas as quartas estou lá para montar o nosso stand e divulgar nosso trabalho. É bem cansativo, mas muito bacana ver o interesse das pessoas e a alegria delas quando ficam sabendo que podem ser atendidas, mesmo que sem plano de saúde e mesmo fora de Baltimore.

Na semana passada o tema foi genética. A primeira palestra não vi, mas fiz questão de assistir a segunda, pois me pareceu superinteressante. Um fotógrafo nova-iorquino que tinha passado anos fazendo fotos de moda, depois de observar uma menina albina num ponto de ônibus em Manhattan, ficou encantado com a beleza exótica dela -- cabelos lindos e volumosos quase brancos, olhos quase vermelhos e pele alvíssima. Ficou intrigado com o que viu e começou a pesquisar a condição clínica dela. Depois de procurar livros a respeito, ficou chocado ao perceber que as fotos eram deprimentes -- os pacientes sempre constrangidos, tarjas pretas sobre os olhos, posições curvadas. Foi então que ele teve uma idéia -- quem seriam estas pessoas por trás destas fotos? Será que elas eram tão diferentes assim ou era só a sua aparência?

Rick então começou a fotografar indivíduos que vivem com albinismo em seu estúdio, usando sua lente poderosa e seu talento para mostrar ao mundo a beleza destas pessoas e os resultados começaram a aparecer logo. Estas pessoas, principalmente crianças, pela primeira vez sentiram-se especiais e amadas e orgulhosas de si mesmas. E logo Rick começou a fotografar outras condições genéticas, como síndromo de Down e outras condições ainda mais raras. Foi assim que nasceu a Positive Exposure.

Me coloquei no lugar daquelas crianças e imaginei a carga que elas carregam com elas. Eu tenho uma simples cicatriz na barriga e já passei há muito da infância, mas olhares curiosos nunca deixam de me acompanhar quando insisto em usar meu bikini. No início estes olhares me incomodavam bastante, hoje às vezes nem percebo. Mas com as criaças as coisas são bem diferentes, pois as outras crianças podem ser cruéis, e ser diferente, todo mundo sabe, não é fácil.

Então o trabalho do Rick se torna ainda mais importante, pois ele não só enxerga a beleza na diferença, mas faz com que nós mortais sejamos capaz de fazer o mesmo. Com a sua organização não-governamental ele ja viajou o mundo todo fotografando crianças portadoras das mais diversas mutações genéticas. Agora ele também faz palestras sobre esta diversidade. Muitas vezes a convite dos pais e até das crianças, visita escolas e sensibiliza outras crianças sobre a situação enfrentada pelos próprios colegas.

Um outro projeto do Rick é trabalhar com estudantes de medicina e enfermagem e tentar colocar estas fotos -- de crianças felizes -- no lugar das fotos deprimentes exibidas nos livros médicos.

O final da palestra fez todo mundo chorar. Ele mostrou um coral na África do Sul formado por crianças que tinham alguma deficiência física -- algumas eram cegas, outras albinas, outras não conseguiam se locomover bem e outras tinham problemas mentais -- mas todos cantavam maravilhosamente bem. O sonho destas crianças era participar do Festival de Corais, mas os organizadores não os deixavam participar por causa de suas deficiências. Mesmo assim, eles nunca pararam de ensaiar e um dia acabaram sendo conseguindo ir ao tal concurso como convidados. Este vídeo é de arrepiar! Eles começam cantando bela mais timidamente e aos poucos, ao ouvirem os aplausos da platéia vão se soltando. Era a primeira vez que cantavam na frente de uma platéia -- de 10 mil pessoas!!! O sucesso foi tão grande que no ano seguinte eles foram chamados para participar da competição e advinhem? Ganharam o concurso!!! A platéia em Baltimore delirou e muita gente, como eu, saiu enxugando as lágrimas.

É incrível como somos egoístas e sempre achamos que nossos problemas são os mais urgentes e mais importantes no mundo... Às vezes temos mesmo que levar uma chamada para colocar as coisas em perspectiva.

Quem tiver interesse em ver o portfólio do Rick Guidotti -- e eu recomendo muito!!! -- e saber mais sobre a Positive Exposure é só clicar aqui. Este vídeo também é o máximo.

September 11, 2008

September 11th



É como os americanos se referem a esta data que marcou para sempre a história do país e do mundo. É um daqueles dias que a gente vai lembrar para sempre o que estava fazendo, com quem e onde estava. Não dá para esquecer, é marcante demais.

Quando eu era pequena minha mãe sempre me falava do dia que Martin Luther King Jr. morreu e de como ela ficou triste. Imagine, minha mãe nunca tinha pisado nos EUA, não falava bem inglês e naquela época não existia internet, mas a crueldade de um atirador solitário marcou-a para sempre.

Me lembro de poucos dias assim... Por algum motivo louco me lembro exatamente dos dias que soube que John Lenon, Karen Carpenter e Marvin Gaye haviam morrido, respectivamente em 1980, 1983 e 1984. (Não me lembre o motivo, apesar da pouca idade nunca me esqueci destes acontecimentos.)

Mas voltando ao onze de setembro, aquilo me parecia completamente surreal, pois fazia poucos meses que tinha deixado Nova York e voltado a morar no Rio. Estava naquela semana planejando a minha viagem de volta que aconteceria poucos dias depois. O plano original era passar o feriado de sete de setembro lá, mas como a minha avó faz aniversário dia 13 e tinha muitos anos que não passava a data em casa, resolvi adiar a passagem para dia 14. Eu jamais poderia esperar que no dia 14 de setembro de 2001 não houvesse vôos para Nova York. Mas não houve e a minha viagem acabou acontecendo duas ou três semanas depois a bordo de um avião praticamente vazio.

Em Manhattan seu sempre morei em Greenwich Village -- downtown, west side -- e as Torres Gêmeas sempre foram meu ponto de referência. De onde estivesse, via as Torres e sabia que elas eram o sul da cidade. Até hoje acho muito estranho ainda andar na Sétima Avenida em sentido sul e não vê-las a minha frente. Ficou um buraco, um vazio, uma cicatriz eternamente exposta.

Os dias que passei em Nova York depois do onze de setembro foram completamente fora do normal -- ruas vazias, restaurantes às moscas, uma bad vibe no ar. A cidade inteira parecia envolta numa nuvem cinza e pesada. Os ataques foram um tapa na cara de todos.

Teve gente no Brasil que demonstrou uma insensibilidade ridícula através de comentários infelizes e de opiniões mesquinhas. "Os americanos mereceram" ou "O Bush é mesmo um idiota." Coisa de gente medíocre mesmo. O que os mais de três mil inocentes tinham a ver com aquilo? Covardia pura.

O que estes idiotas de plantão esqueceram é que o mundo inteiro estava lá naquelas Torres. Além dos cidadãos americanos, pessoas de 91 nacionalidades diferentes morreram nos atentados. E mesmo quem não estava no World Trade Center morreu um pouco naquele dia ao acompanhar o sofrimento de tantos inocentes.

E daquele dia em diante, o mundo nunca mais seria o mesmo...

September 10, 2008

Dia corrido

Hoje o dia aqui vai ser corridor, então o post vai ser curtinho. Mais cedo, dei uma passdinha na minha página do Orkut e vi um recado da Eva, mãe do Felippe. Fiquei com os olhos cheios d’água quando li o scrap dela. Assim que soube do acontecido, deixei um recadinho para ela dizendo que ela e sua família estariam em minhas orações.

Cheguei ao blog do Felippe depois de ter lido um post dela na comunidade do Orkut Eu faço/já fiz quimioterapia. Acho que o Felippe não postava muito lá, mas a Eva participava do fórum. É impressionante como somos o produto da nossa família! Lendo os posts da Eva e os relatos dele sobre ela, não fica dúvida nenhuma da influência que as mães têm sobre seus filhos. Os espírito lutador e corajoso do Felippe estava nos genes.

Este foi o recado que a Eva me deixou:


Oi lindinha, eu também sempre acompanhei você.Eu tenho toda a certeza que ele estará sempre do meu lado, pois éramos muito ligados, fortes e determinados e sei que ele está me dando forças para seguir com a irmãzinha dele(ele a adora) e ela também.Só Jesus para estar me guiando.Dói muito Dani!Bjs e obrigada por este carinho.


No meio da sua dor insuportável encontrou tempo para me fazer ganhar o dia. Que a sua fé inabalável acalente seu coração neste momento tão difícil. Continuo rezando pelo Felippe e agora mais do que nunca pela Eva e pela sua família.

September 9, 2008

Informações sobre Câncer

Sei que muita gente acaba caindo de pára-quedas no blog quando procura informações sobre câncer. (Tem gente que vem aqui atrás de posts sobre casamento, mas nos últimos meses, minha opiniões sobre casórios têm ficado restritas à revista Novias Rio de Janeiro, onde sou colunista, por absoluta falta de tempo.)

Infelizmente não há muita informação sobre câncer em português. Estatísticas então...nem pensar! Sei exatamente o que passa na cabeça destes pacientes e familiares, afinal o câncer é uma doença cercada de estigma e até pouco tempo era encarada como inevitável sentença de morte. Hoje, mais do que nunca, temos milhões de sobreviventes (graças a Deus), mas algumas destas pessoas evitam falar no assunto por vários motivos – vontade de colocar uma pedra no passado, desconforto ao abordar o tema ou até por superstição ("Falar atrai!"). Por outro lado, tem muita gente disposta a abrir o jogo como eu, pois acho que o primeiro passo para vencer o inimigo é encará-lo de frente. Antes da internet porém pouco se podia fazer e só o círculo mais íntimo ficava sabendo da história daquela pessoa.

Com a internet muda tudo! A minha luta muito pessoal pode tocar pessoas nos quatro cantos do planeta. O meu sofrimento, a minha esperança, as minhas frustrações e alegrias são divididas com muitas pessoas que passam por aqui e acabam se tornando parte da minha vida. Confesso que quando comecei a relatar a minha vida e a minha relação com a doença aqui tive dois motivos principais: o primeiro era bastante egoísta – precisava de uma válvula de escape e encontrei-a na rede. Este blog e o apoio que recebi aqui foram fatores cruciais para minha rápida recuperação e para a preservação da minha sanidade. O segundo motivo pode até ser chamado de altruísta: queria que ninguém tivesse que passar pelo que passei às escuras, sem qualquer informação ou referência. Durante meu tratamento e depois dele tudo o que eu mais queria era encontrar alguém que tivesse passado por experiências semelhantes, na esperança de que este encontro amenizasse a minha solidão e me trouxesse reposta para tantas perguntas. Sei que a história de cada um é muito individual e que duas pessoas podem ter exatamente a mesma doença e prognósticos completamente diferentes. Os médicos não conseguem explicar e nós, pacientes, não conseguimos entender, então só nos resta aceitar.

Hoje a Luciana Misura, leitora aqui do blog, disse que depois de ler o blog do Felippe se sentiu compelida a levar uma idéia sua a frente. Ela trabalha na Leukemia & Lymphoma Society (LLS) e vai tentar convencer o pessoal lá a traduzir o site para o português. Ela leu num dos posts do Felippe que ele tinha encontrado muita informação importante lá, mas a sensibilidade dela é suficiente para entender que nem todos os pacientes de câncer no Brasil são fluentes em inglês e que a carência por informações detalhadas sobre este tipo de doença é enorme.

Aqui nos EUA há uma infinidade de cartilhas e materiais impressos sobre os diversos tipos de câncer, disponíveis em qualquer clínica ou hospital. Há inúmeras organizações de apoio e de campanhas de conscientização. No Brasil, fora o câncer de mama, não há absolutamente nada! Se você tiver o azar de ter qualquer outro tipo de câncer, está na mão! Nada de camiseta fofa, lacinho rosa, caminhada e celebridade pseudo-engajadas. Você vai ter que encarar a faca e os efeitos da químio sozinho e rezar par aque tudo dê certo. Provavelmente também não vai saber muito bem o tipo de câncer que tem ou as opções de tratamento. Os médicos estão fazendo o possível para salvar a sua pele (isto se você tiver acesso a eles!) e você deve fazer o seu papel, aceitando tudo bonitinho e dando graças a Deus por ao menos receber tratamento. Questionar? Nem pensar! Tomas as rédeas do próprio destino? É para poucos, muito poucos.

A questão principal é smpre a informação, tão ausente no Brasil, mas espero que isto mude em breve. Eu estou traduzindo o site da Seventyk.org e a Luciana vai começar o da Leukemina & Lymphoma Society. Ainda falta muito, mas já é um começo.

Por acaso, hoje surfando a net, percebi que a Cancer Society Canadense tem alguns folhetos em português. Um português bem estranho (sei lá se é de Portugal!!!), mas pelo menos já é alguma coisa e como dizia uma amiga minha "metade, para quem não tem nada, já é o dobro!"

A caminhada vai ser longa e árdua, mas como diria Randy Pausch, os muros de tijolo só existem para que você mostre o quanto quer alguma coisa.

September 8, 2008

Hopkins


Pois é, vou mesmo para concorrência.

Está marcado:
29 de setembro às 14:10 -- tomografia, exame de sangue e consulta com o Dr. Tim Pawlik.

Vamos começar a mentalizar...

Felippe

Esta semana foi barra pesada para mim. A morte do Felippe me abalou muito. Incrível pensar que nós sequer nos conhecíamos, mas eu gostava muito dele. Achava que ele merecia estar aqui mais do que qualquer um. Em nenhum momento ele se acovardava, tinha pena de si mesmo ou raiva da situação. Ele era sábio e se recusava a perder tempo com isto, sabia que a raiva era uma emoção desperdiçada.

No blog dele ele sempre falava da luta, reproduzia cenas e diálogos de Sylvester Stalonne no filme Rocky, pois era assim que o Felippe se via, azarão, mas guerreiro até o fim. Ele nunca negava a gravidade da sua doença, mas se recusava a perder a esperança. Voltava mais forte e mais otimista depois de cada procedimento, por mais doloroso e cruel que fosse. Perguntado se as conseqüências de um possível transplante (que infelizmente acabou não acontecendo) o apavoravam, ele respondeu na hora e postou no blog dele:

Medo? De ter seu sistema imunológico destrúido? De receber o sistema imunológico de alguém? De Lidar com a GVHD ? Imaginar se vai funcionar? Passar um ano ou mais debilitado ou vivendo uma vida cheia de restrições? Por que deveria ter medo?
A coragem não é ausência de medo, é ir em frente apesar do medo.
Todos sentimos medo de algo, afinal o medo é uma emoção que nos domina, quando não temos o controle de uma situação ou mesmo o conhecimento de seu desfecho, é uma ausência de informação relacionada a uma determinada ocorrência.
É como o menino que assusta o amigo vestido de fantasma, e quando o outro está apavorado, ele tira a fantasia e diz: "sou apenas eu" - o outro então perde o medo, quando reconhece que o fantasma é o amigo.
Toda vez que tiver medo de alguma situação, procure conhecê-la melhor, procure saber tudo sobre ela. É conhecendo o inimigo que podemos derrotá-lo.
Assim, logo perceberá que o medo é fruto de sua falta de conhecimento de um determinado fato.
Tenha esperança no presente, pois somente assim terá força no futuro.


Pena que o Felippe não está mais aqui para continuar nos inspirando... Sinto um vazio enorme, uma dor no coração. Sinto como se tivesse perdido um grande craque do meu time e agora tivesse que levar a partida desfalcada até o final.

Agora entendo quando meus médicos hesitavam toda vez que eu demonstrava vontadade de me envolver com pacientes de câncer. A preocupação deles era que além da minha própria luta eu me envolvesse demais com a situação de outros pacientes e que viesse a me abater com o que visse.

Eles não deixavam de ter razão. A morte do Felippe me mostrou um câncer mais mortal do que nunca. A perda dele me fez enxergar que apesar de inúmeros avanços na medicina, esta doença ainda é a segunda maior causa mortis entre jovens. A perda do Felippe me fez ter a certeza de que há uma urgência enorme no investimento em pesquisas e tecnologias que podem salvar vidas e que a campanha para doação de órgãos precisa ser muito mais intensa, afinal o Felippe poderia ter tido uma chance se tivessem encontrado um doador compatível. Esta dor de que se poderia ter feito mais, de que se poderia ter agido com mais rapidez eu sinto lá dentro, mas agora não há mais nada a fazer, pelo menos pelo Felippe.

É impressionante o que a gente pode aprender em tão pouco tempo (seis meses), com alguém de tão pouca idade (ele tinha 24 anos). Eu aprendi a ser mais otimista, mais corajosa e a lutar até o final. Se não tivesse um histórico de saúde um pouco complicado, certamente já teria me cadastrado para doar a minha medula. Aliás, já sou doadora aqui nos EUA e no Brasil... Não posso atestar muito a qualidade dos meus órgãos (o fígado então, já está meio mutante), mas a intenção é a melhor possível.

O Felippe se foi e vai deixar muita saudade, mas mais do que nunca estou certa do caminho que escolhi para mim. Vou continuar aqui trabalhando para que populações carentes tenham acesso à saúde de qualidade; vou continuar falando da minha experiência e dos amigos que fiz ao longo do meu caminho que já não estão mais aqui para contar suas histórias. Vou seguir em frente e lutar para que a memória deles não seja esquecida; vou seguir dando tudo de mim para que um dia eu possa respirar alivada sabendo que o câncer já não existe mais e que nunca mais vai poder levar outro amigo ou familiar meu. Vou fazer o que eu puder para que este dia chegue logo e eu seja testemunha disto. Vou lutar até o final, apesar do medo, pois como o Felippe mesmo disse "A coragem não é ausência de medo, é ir em frente apesar do medo."

Agora sabendo que o corajoso Felippe está lá em cima, peço que todos mantenham sua mãe, Eva, e sua irmãzinha, Camila, eu suas orações. Elas são fortes, mas a dor é imensa.

September 7, 2008

Engajamento

Se tem uma coisa que não me canso de admirar nos americanos é o engajamento social deles. Tem que tirar o chapéu. Gente de todas as classes sociais, etnias, religiões arregaça as mangas e ajuda o próximo mesmo. Eles têm este compromisso com a sociedade e levam a coisa a sério.

Eu, como boa brasileira, sempre tive o pé atrás com este negócio de ONG. Não acredito mesmo, pois não vejo resultados concretos, não vejo prestação de contas e não vejo ações de verdade. Um dos meus chefes também concordava comigo e sempre brincava dizendo que um dia ainda abriria uma ONG chamada "Seu dinheiro pode ser meu". Palhaçadas a parte, sei exatamente do que ele estava falando -- eu é que não vou dar meu suado dinheiro na mão deste povo!

Mas aqui nos EUA tem muita coisa séria, graças a Deus. Gosto muito da American Cancer Society e agora começo a conhecer melhor o trabalho da Escola de Medicina da Universidade de Maryland. Esta semana que passou eles iniciaram um evento anual muito bacana chamado Mini Med School. Durante cinco semanas eles abrem as portas da universidade para a comunidade e a cada quarta-feira dois temas importantes para a comunidade são abordados. Não cobram entrada e ainda pagam o estacionamento do pessoal e fornecem lanche. Semana passada os temas foram Síndrome do Intestino Irritado e Doença Celíaca e Violência (do ponto de vista da saúde pública).

O auditório de 300 pessoas estava lotado e durante as duas horas de palestra ninguém piscava. Estavam todos atentos, prontos para absorver todo o tipo de informação. O público era formado da maioria de pessoas na meia-idade, mais mulheres, mais negros do que brancos, afinal estamos em Baltimore. Algumas mães estavam acompanhadas de filhos adolescentes, outras de amigas.

Bacana mesmo de ver a universidade abrindo as suas portas para a comunidade local. Mais legal ainda foi ver a comunidade local aproveitando esta grande oportunidade. Durante o evento, colocamos nosso material de divulgação e muita gente me perguntava o que tinha que fazer para conseguir exames preventivos. O melhor de tudo foi poder dar a resposta a elas. Dizer que a gente pode ajudar sim, que o que eles têm a fazer é procurar nosso escritório local e se increver em um dos nossos programas. Que alívio poder ver um problema e ter, pelo menos em tese, a solução para ele.

Nos próximos meses vou organizar um evento do mesmo porte para abordar a questão de testes clínicos e da importância deles para o aumento das taxas de sobrevida. Nosso público-alvo vai ser a comunidade local, que muitas vezes desconhece ou desconfia da seriedade e da transparêncis destes testes. O pior é que com base em algo terrível que aconteceu no passado, o chamado Tuskagee Experiment, eles não deixam de ter razão para tanto receio. (É inacreditável como alguns seres humanos são maus!) Então nosso desafio é mostrar a eles que aquela atrocidade jamais vai voltar a acontecer. Hoje temos lei rígidas e mecanismos de proteção ao paciente muito avançados e a participação dos pacientes é crucial para o aumento da expectativa de vida deles.

Vox populi, vox Dei

...ou a voz do povo é a voz de Deus.

Então, como a maioria dos meus amigos aqui do blog sugeriu, vou voltar a Hopkins mais uma vez.

Para falar a verdade, liguei pra eles na segunda. Pedi uma consulta para o dia 29 de setembro. A secretária/enfermeira (não a mocréia, mas uma outra que não conheço) me perguntou se eu precisaria fazer exames e disse que voltava a me ligar dentro de minutos.

Well, dois dias depois ela liga. Perguntou quando era mesmo que eu queria que ela marcasse a minha consulta (hello!!! você não anota estes detalhes num bloquinho?!). Disse que dia 29. Ela então disse que ia pedir autorização ao plano para marcar minha tomo e depois voltaria a me ligar.

Ligou para vocês? Nem para mim!

Amanhã ligo para ela para perguntar se há novidades.

Não disse pra vocês que lidar com Johns Hopkins, o melhor hospital dos EUA pelo enésimo ano consecutivo, era uma batalha?

Como diz o meu irmão, "É o preço!" Então desejem-me sorte...e paciência.

September 5, 2008

Viva La Vida

No post anterior ia falar de alegria, mas acabei perdendo o fio da meada por causa de notícias ruins que me abalaram bastante. Hoje, no carro vindo pro trabalho, dei uma desabafada ao som de Cold Play e agora estou me sentindo melhor.

Procurei imaginar o Felippe chegando lá em cima e vendo um monte de amigos conhecidos, imaginei-o feliz, forte, saudável, andando por lugares lindos e louco para achar um laptop e um wi-fi para mandar notícias para gente, para dizer que está tudo bem.

Há tempos tenho implicado com a expressão que a gente sempre usa "fulano ganhou a batalha contra o câncer" ou "beltrano perdeu a batalha". Acho isto muito injusto, pois um cara corajoso e otimista como o Felippe não perdeu coisa nenhuma! Se alguém perdeu alguma coisa fomos nós, que momentaneamente estamos privados da companhia dele, do seu senso humor ácido e do otimismo tão característico do nosso amigo. Mas vamos levar para sempre as lições que aprendemos com ele. Em seis meses de blog ele fez tantos amigos e deixou uma legião de fãs por aqui.

Por falar em otimismo, acabou de sair a Criativa com a matéria que fiz com a Kris Carr, campeã internacional do otimismo e do bom astral. Ficou muito bacana. Acho que conseguimos colocar no papel o clima da entrevista. Dá para ler pelo menos uma parte no site, mas os meus pais estão todos bobos porque tem uma foto minha na página dos colaboradores. Isto não dá para ver no site e estou morrendo de curiosidade -- sou bobalhona mesmo. A revista já está nas bancas para quem quiser conferir.

Enquanto isto, continuo com a música do Coldplay na cabeça, mas já está na hora de votlar ao trabalho.

September 4, 2008

Tristeza e Alegria

Este post era para ser cheio de alegria, afinal só vinha tendo notícias boas nos últimos meses: minha saúde está ótima, meu emprego é legal, estou escrevendo para revistas que sempre li e tenho me engajado em projetos voluntários maravilhosos por aqui, mas infelizmente não são as boas notícias que ocupam meu pensamento agora.

A vida é tão engraçada...parece que a felicidade nunca pode ser completa. Quando é que vamos aprender a lidar com isso?

Nestes últimos dias tive duas notícias muito ruins. Uma foi a da partida do Felippe, amigo de caminhada e guerreiro valente que se despediu de nós este fim de semana. Já estava estranhando a ausência dele no blog quando a Selma me mandou um email. Agora é rezar para a família dele, pois concordo com o Guimarães Rosa que disse que "as pessoas não morrem, ficam encantadas."

A outra recebi pelo jornal, pois meus pais não gostam de me dar notícias ruins quando não há nada que eu possa fazer de longe. O Delegado Jami-Noá, a amigo do meu pai, que não conheço pessoalmente, foi baleado no fim da semana passada quando foi buscar o filho de oito anos na escola. O menino estava no carro com o pai! Este amigo do meu pai é delegado, então uns dizem se tratar de atentado e outros defendem a hipótese de assalto, mas garanto que para este menino de oito anos, cujo pai está em estado grave no hospital, isto pouco importa. O que importa para ele é que o único pai que ele tem está lutando pela vida num leito de hospital. Não, o pai dele não vai poder buscá-lo na escola esta semana. Também não vai poder acompanhá-lo ao jogo de futebol ou levá-lo à praia. Pelo menos por enquanto não vai poder fazer tantas coisas que um pai deve fazer com o filho. Como explicar isto a um menino de oito anos?

Esta tragédia que aconteceu com este amigo me meu pai, me fez pensar em como a minha vida poderia ter sido diferente. Numa noite de inverno, quando tinha uns 11 ou 12 anos, meus pais foram me levar para experimentar a minha roupa para uma apresentação de ballet. Meu pai tinha acabado de comprar um carro novo e estávamos todos ansiosos para passear nele. Fomos nós três até a casa da costureira, mas chegando lá, meu pai preferiu não entrar e decidiu nos esperar no carro. (O ano era 1985 então as pessoas ainda aguardavam no carro.).

Na saída da casa da costureira, que ficava numa vila, e a rua era levemente inclinada, minha mãe e eu vimos um corpo no chão. De longe e no escuro não sabíamos o que pensar, então a minha mãe chamou pelo meu pai, que graças a Deus repondeu que estava bem. Ele pediu a ela que não me deixasse chegar perto da cena, mas o local já estava tomado por curiosos e eu e ela olhávamos incrédulas. Meu pai é policial, reagiu a um assalto e teve sorte, pois conseguiu atirar em um ladrão enquanto o outro comparsa fugiu. Depois do incidente, a preocupação dele era preservar a arma do ladrão no chão, para que todos soubessem que ele tinha agido em legítima defesa. Ainda assim, a primeira notícia que foi ao ar dizia que um coronel da PM tinha atirado num homem que havia se aproximado dele para pedir informação! Imagina se a arma do crime não estivesse ali? Provavelmente meu pai estaria apodrecendo na cadeia. Incrível como pseudo-jornalistas conseguem ser tão levianos.

Mas felizmente tudo deu certo e eu pude ter meu pai comigo durante toda a minha vida. Estiveram comigo também no hospital todos os dias, me amparando e guiando o meu caminho. Ele e a minha mãe continuaram me levando a apresentações de ballet, peças de teatro, viagens e a tantos outros lugares. Por sorte nossa, eles puderam acompanhar a vida de cada um dos três filhos de perto, participando de cada momento especial.

Espero que o filho do Delegado Jami-Noá tenha a mesma sorte que eu tive. Por enquanto só me resta rezar e peço a vocês que façam o mesmo, que mantenham o Delegado e sua família em suas orações.

September 3, 2008

Luto


Hoje soube que nosso querido Felippe, por quem torcemos tanto já não está mais conosco. Ele se foi no final da semana passada. Apesar da garra e da coragem não resistiu. Esgotaram-se as opções de tratamento. Esgotou-se o tempo, mas a saudade fica.
Foi-se o guerreiro. Virou anjo. Valente e bem-humorado, vai deixar muita saudade.
Vai com Deus, querido. Vai com Deus, Felippe.
Estou triste, muito triste.

September 2, 2008

Heróis Anônimos

As coisas aqui estão fervendo com a proximidade das eleições presidenciais e eu, como não poderia deixar de ser, fiquei vidrada acompanhando a Convenção Democrata durante toda a semana passada. Não pelas razões citadas pela mídia americana e ecoadas por todas as outras, mas porque eu ADORO um discurso! Gosto de ver oradores bons levantando multidões. Adoro ver a forma como eles organizam seus pensamentos e transmitem sua mensagem. Presto atenção no movimento das mãos e no olhar, no tom de voz e no ritmo da fala. Acho eletrizante.

Gosto muito da Michelle Obama como oradora. Posições políticas à parte, ela é clara ao expor suas idéias, sempre tem histórias pessoais que dão um toque humano ao seu discurso. Por mais articulada que ela seja, ela não aliena o povão, pois nunca deixa de repetir de uma forma ou de outra a mensagem "eu sou como vocês, lutei, me superei e hoje estou aqui. Vocês, meu povo, são capazes de fazer o mesmo."

Apesar do discurso da Mrs. Obama não ter desapontado, as palavras que mais me chamaram atenção não vieram do palanque e nem de nenhum candidato. A história que mais me tocou veio do filho de Joe Biden, o candidato a vice do Obama. Numa entrevista à NBC, se não me engano, a repórter mais uma vez fez referência à história triste da família Biden.

A primeira esposa de Joe e mãe de Beau, morreu num acidente de carro, às vésperas do Natal, quando saía com os três filhos para comprar uma árvore. Beau e seu irmão ficaram gravemente feridos. Sua mãe e sua irmã não sobreviveram. Joe não estava com a família pois naquele dia tinha ido a Washington visitar o novo gabinete. Ele tinha acabado de ganhar sua primeira eleição no Senado. Depois da tragédia, pensou em abandonar a carreira para se dedicar aos filhos, mas depois mudou de idéia, só que em vez de se mudar para Washington, como a maioria dos senadores, Joe ia e voltava todo dia de trem de Wilmington, Delaware, passando quase quatro horas em trânsito, mas chegando sempre a tempo de colocar os filhos na cama.

Como americano adora histórias de heroísmo, esta é um prato cheio e apesar do acidente ter acontecido nos anos setenta, os repórteres não se cansam de fazer menção a ele. Pois justo no dia da Convenção Nacional não seria diferente. Mas a resposta de Beau foi. Quando perguntado mais uma vez sobre a tragédia que tinha se abatido sobre sua família e como eles haviam superado, Beau respondeu mais ou menos assim: "A minha história é a história de muitas outras famílias americanas que perdem seus entes queridos a cada ano. Não tem nada de diferente ou especial, acontece com muita gente. Tive sorte de ter duas mulheres maravilhosas que pude chamar de mãe, a minha mãe biológica e a esposa do meu pai, que me criou."

Está aí alguém que consegue ver o copo meio cheio. Não posso imaginar pior tragédia do que perder a mãe e a irmã, mas ele encontrou forças e paz para continuar vivendo. E ele está mesmo certo, tem muita gente como ele vivendo por aí.

Parei para pensar e lembrei dos meus primos que perderam pai, mãe e irmão num terrível acidente de carro, também na década de setenta. Eu era muito pequena, mas me lembro de visitar a minha prima, que ficou bem machucada, na ABBR, no Rio. Não me lembro muito de detalhes, mas a imagem dela numa cadeira de rodas me ficou na memória. Lembro também que ela sorria muito. E isso já faz uns trinta anos.

Eu, que sempre tive um certo medo de dirigir, nunca entendi como a minha prima, a do acidente, que ficou um bom tempo fazendo fisioterapia para voltar a andar, conseguia dirigir para todo lado. (Por incrível que pareça, anos mais tarde ela sofreu outro acidente de carro, mas escapou novamente.) Um dia perguntei para ela. Ela riu e respondeu: "Medo de dirigir? Imagina! Para mim já ficou claro que não é assim que vou morrer!" E ela vive a vida dela, dirigindo e tomando as rédeas de seu próprio destino, sem medo. Os irmãos dela têm a mesma filosofia, são firmes e corajosos.

Depois de ouvir as palavras do Beau Biden entendi perfeitamente o que ele quis dizer. A parte triste da história da família dele faz parte da história da minha família também. E se ele é valente, meus primos, que perderam pai, mãe e irmão, são ainda mais... Só que eles não subiram em palanque, são heróis anônimos.