September 8, 2008

Felippe

Esta semana foi barra pesada para mim. A morte do Felippe me abalou muito. Incrível pensar que nós sequer nos conhecíamos, mas eu gostava muito dele. Achava que ele merecia estar aqui mais do que qualquer um. Em nenhum momento ele se acovardava, tinha pena de si mesmo ou raiva da situação. Ele era sábio e se recusava a perder tempo com isto, sabia que a raiva era uma emoção desperdiçada.

No blog dele ele sempre falava da luta, reproduzia cenas e diálogos de Sylvester Stalonne no filme Rocky, pois era assim que o Felippe se via, azarão, mas guerreiro até o fim. Ele nunca negava a gravidade da sua doença, mas se recusava a perder a esperança. Voltava mais forte e mais otimista depois de cada procedimento, por mais doloroso e cruel que fosse. Perguntado se as conseqüências de um possível transplante (que infelizmente acabou não acontecendo) o apavoravam, ele respondeu na hora e postou no blog dele:

Medo? De ter seu sistema imunológico destrúido? De receber o sistema imunológico de alguém? De Lidar com a GVHD ? Imaginar se vai funcionar? Passar um ano ou mais debilitado ou vivendo uma vida cheia de restrições? Por que deveria ter medo?
A coragem não é ausência de medo, é ir em frente apesar do medo.
Todos sentimos medo de algo, afinal o medo é uma emoção que nos domina, quando não temos o controle de uma situação ou mesmo o conhecimento de seu desfecho, é uma ausência de informação relacionada a uma determinada ocorrência.
É como o menino que assusta o amigo vestido de fantasma, e quando o outro está apavorado, ele tira a fantasia e diz: "sou apenas eu" - o outro então perde o medo, quando reconhece que o fantasma é o amigo.
Toda vez que tiver medo de alguma situação, procure conhecê-la melhor, procure saber tudo sobre ela. É conhecendo o inimigo que podemos derrotá-lo.
Assim, logo perceberá que o medo é fruto de sua falta de conhecimento de um determinado fato.
Tenha esperança no presente, pois somente assim terá força no futuro.


Pena que o Felippe não está mais aqui para continuar nos inspirando... Sinto um vazio enorme, uma dor no coração. Sinto como se tivesse perdido um grande craque do meu time e agora tivesse que levar a partida desfalcada até o final.

Agora entendo quando meus médicos hesitavam toda vez que eu demonstrava vontadade de me envolver com pacientes de câncer. A preocupação deles era que além da minha própria luta eu me envolvesse demais com a situação de outros pacientes e que viesse a me abater com o que visse.

Eles não deixavam de ter razão. A morte do Felippe me mostrou um câncer mais mortal do que nunca. A perda dele me fez enxergar que apesar de inúmeros avanços na medicina, esta doença ainda é a segunda maior causa mortis entre jovens. A perda do Felippe me fez ter a certeza de que há uma urgência enorme no investimento em pesquisas e tecnologias que podem salvar vidas e que a campanha para doação de órgãos precisa ser muito mais intensa, afinal o Felippe poderia ter tido uma chance se tivessem encontrado um doador compatível. Esta dor de que se poderia ter feito mais, de que se poderia ter agido com mais rapidez eu sinto lá dentro, mas agora não há mais nada a fazer, pelo menos pelo Felippe.

É impressionante o que a gente pode aprender em tão pouco tempo (seis meses), com alguém de tão pouca idade (ele tinha 24 anos). Eu aprendi a ser mais otimista, mais corajosa e a lutar até o final. Se não tivesse um histórico de saúde um pouco complicado, certamente já teria me cadastrado para doar a minha medula. Aliás, já sou doadora aqui nos EUA e no Brasil... Não posso atestar muito a qualidade dos meus órgãos (o fígado então, já está meio mutante), mas a intenção é a melhor possível.

O Felippe se foi e vai deixar muita saudade, mas mais do que nunca estou certa do caminho que escolhi para mim. Vou continuar aqui trabalhando para que populações carentes tenham acesso à saúde de qualidade; vou continuar falando da minha experiência e dos amigos que fiz ao longo do meu caminho que já não estão mais aqui para contar suas histórias. Vou seguir em frente e lutar para que a memória deles não seja esquecida; vou seguir dando tudo de mim para que um dia eu possa respirar alivada sabendo que o câncer já não existe mais e que nunca mais vai poder levar outro amigo ou familiar meu. Vou fazer o que eu puder para que este dia chegue logo e eu seja testemunha disto. Vou lutar até o final, apesar do medo, pois como o Felippe mesmo disse "A coragem não é ausência de medo, é ir em frente apesar do medo."

Agora sabendo que o corajoso Felippe está lá em cima, peço que todos mantenham sua mãe, Eva, e sua irmãzinha, Camila, eu suas orações. Elas são fortes, mas a dor é imensa.

3 comments:

Roy Frenkiel said...

Nao sei de sua condicao... Espero que voce esteja/fique nos cem por cento o mais rapido. Sinto muito por sua perda. Eu nao o conhecia, apenas lia esporadicamente.

bjx

RF

Anonymous said...

Dani, eu nao conhecia o Felippe como ja disse aqui, conheci atraves do seu post de "Luto", e quando li o blog dele me senti como alguem que poderia ter dado uma ajuda mas que chegou tarde demais. Entao, em homenagem ao Felippe, eu estou comecando a conversar com umas pessoas dentro da LLS (Leukemia & Lymphoma Society, onde eu trabalho) pra traduzir todo o conteudo do site para portugues. Ele fez um post em junho passado justamente dizendo que o site da LLS tinha muita coisa interessante, e me inspirou a batalhar pra levar essa informacao pra outras pessoas no Brasil que podem precisar. Beijos, Luciana

Dani said...

Roy,
Obrigada pelo carinho. Espero em breve chegar aos 100% para não ter mais que me preocupar com isto. me sinto ótima, mas confesso que nas semanas que antecedem os exames sempre fico um pouco tensa.
Bjs


Luciana,
Que idéia ótima! Espero que você consiga tradizir o site para o português. Nós brasileiros somos tão carentes de informação sobre o câncer -- este era o objetivo do Felippe: documentar o tratamento e ajudar a outras pessoas que viessem a passar pelo mesmo problema que ele. O Felippe era curioso e falava inglês muito bem, o que não é o caso da maioria dos brasileiros, então acho esta sua iniciativa muito bacana e necessária.
Beijos e boa sorte!