Já falei de filhos alguma vezes aqui, mas pouco falei de pais.
Ontem mostrei para os meus pais a figura detalhada da cirurgia, esta que está aí no post abaixo. Achei que era uma forma clara de entender o procedimento e compartilhar esta informação com amigos mais curiosos. Pensei também que meus pais fossem achar interessante, afinal não era o MEU fígado, e nem fígado era, mas o desenho de um fígado qualquer ilustrando um procedimento técnico.
Estava redondamente enganada. Chamei os dois para frente do computador, eles olharam rapidamente o monitor e fizeram a mesma pergunta: "Para quê?" Minha mãe ainda deve ter dito algo como, "Deixa pra lá, já passou. Esquece." Insisti dizendo que não se tratava de nada pessoal, mas satisfazia a minha curiosidade sobre a cirurgia. Mostrei para eles o lobo direito, que no meu caso foi embora, as duas veias que me restaram (a cava, sem ela estaria morta, e a média, que quase se foi, mas em cima da hora os médicos decidiram não sacrificá-la) e o provável arranjo que os cirurgiões devem ter feito no meu fígado, que chamo de "puxadinho". Explico: Normalmente, estas duas veias atravessam o lobo direito do fígado, mas na inexistência deste, como no meu caso, creio que algum arranjo especial deve ser feito.
Toda vez que meu pai me escuta falando isso, sua fisionomia muda visivelmente. Ele odeia pensar que a filha, criada com tanto carinho, não é mais "perfeita", pelo menos fisicamente. Toda vez que olha para minha cicatriz diz: "Daqui a pouco a gente faz outra plástica." Repararam no "a gente"??? Coisa de louco, né? Afinal a barriga é minha e para dizer a verdade a cicatriz não me importa nada, nada. Sempre quis ser diferente, então parece que Deus ouviu as minhas preces. Quantas pessoas vocês conhecem que têm a estrela de três pontas da Mercedes talhada na barriga? Pois é! E é da Mercedes! Não é pra qualquer um não... Será que se mandar a minha foto pra eles, levo um carro?
Quando conversamos sobre este assunto chego mesmo a pensar que isto tudo dói mais nos meus pais do que em mim. Sim, a dor física é intransferível, mas a psicológica é perfeitamente compartilhável. Lembro que da primeira vez, mesmo depois do laudo médico que dizia claramente "hepatocarcinomal fibrolamelar" e não deixava margem para dúvidas, meus pais diziam que aquilo não tinha sido câncer, mas sim "umas celulazinhas ruins" que tinham aparecido. E toda vez que os corrigia -- sim, pois parte da minha estratégia sempre foi encarar os fatos de frente, dando nome aos bois -- eles se desesperavam. A palavra "câncer" simplesmente não fazia parte do vocabulário deles, pelo menos no meu caso.
Mas o tempo vai passando e abrandando todos os sentimentos. Aos poucos conseguíamos falar na experiência, mas nunca entrávamos em detalhe, pois para eles sempre foi dolorido demais. Não sou mãe (ou pai!), então não consigo mensurar bem a dimensão dos sentimentos deles, mas acho que por mais absurdo que possa parecer de vez em quando existe um sentimento de culpa, ou pelo menos um questionamento, "por que isto aconteceu justo com a nossa filha, que é tão jovem e saudável?" É como se sua obra-prima de repente começasse a ser devorada por cupins!
Tenho muita pena dos meus pais, pois imagino o quanto eles vem sofrendo comigo. Posso dizer que sou responsável por 90% dos cabelos brancos do meu pai, pois ele quase não tinha em 2002, até a minha cirurgia, e este mês notamos mais alguns na cabeça do coitado. Da minha mãe, não vou saber nunca, pois ela tem cabelo pintado, mas diz que tem uma mecha totalmente branca que surgiu depois da primeira cirurgia.
Na primeira cirurgia, fiquei quase um mês internada e mais um mês e meio em casa, entre consultas médicas, exames invasivos e quimioterapia por embolização, que envolvia centro de hemodinâmica, anestesia e internação. Pois é, fácil não foi. Mas meus pais estiveram sempre lá, uns dias mais fortes, outros dias mais frágeis, mas sempre dedicados e munidos de muita fé.
Mês passado, após ouvir o diagnóstico na sala de ultrassom, corri direto aos prantos para o meu pai, que estava na sala de espera e não conseguiu conter a emoção também. Ele só dizia: "Tudo vai ficar bem, querida. Tudo vai ficar bem." Mas eu sabia que ele também não tinha esta certeza. Naquela hora certezas simplesmente não existiam. Foi um pouco diferente da cena de 2002, quando saí da mesma sala escura em transe e encontrei a minha mãe na mesma sala de espera. Tumor no fígado? Isto existe mesmo? Cirurgia? Como assim? Era tudo tão novo para nós que o medo vinha em ondas, ao passo que íamos descobrindo mais detalhes da minha condição. Em 2007 foi diferente, fomos atingidos de uma vez só, de frente!
E daquele momento em diante as notícias começavam a chegar, truncadas como sempre. De início os médicos disseram ao meu pai que o tumor tinha uns três centímetros. Horas depois ele tinha por volta de cinco. Quando o exame finalmente chegou às minhas mãos, ele tinha sete!!!! Isso me dava um desespero enorme.
Vale a pena dizer que meu pai tem esta mania de "filtrar" as informações ou selecionar as partes da informação que ele quer que cheguem até mim. (Ele só quer me proteger, pois pensa que já sofri muito.) Mas quando finalmente descobri o tamanho real, me desesperei, pelo tamanho e pela sonegação de informações. Gritei muito com o meu pai que, coitado, estava mais abalado do que eu. Perguntei a ele e a minha mãe se eles tinhas esquecido das lições que aprendemos em 2002. Mas vi ali mesmo, na sala de espera do médico, que eles só queriam me poupar e assim sofrer um pouco menos. Como poderia culpá-los?
O tempo, que abranda os sentimentos, também tem seus efeitos nas pessoas e era inegável que meus pais estavam cinco anos mais velhos, cinco anos mais cansados, cinco anos mais frágeis. Mas isto só foi ficando óbvio para mim aos poucos e hoje, mesmo encarando a minha situação de frente, escolho as minhas palavras ao abordar o assunto com eles. Talvez seja melhor deixar o assunto morrer de vez, pelo menos com eles. A minha aparência é ótima e mesmo os médicos dizem que é difícil acreditar que passei por uma delicada cirurgia. E é isso que meus pais precisam saber, que está tudo bem.
As minhas investigações e questionamentos vão continuar, mas vou poupá-los das minhas descobertas, que afinal só dizem respeito a mim. Eles, apesar de bem jovens e saudáveis, já não têm mais o mesmo vigor de alguns anos e merecem um pouquinho de paz. Já sofreram bastante comigo nestes últimos anos. Para nossa sorte porém, de acordo com os médicos, o pesadelo acabou, pois estou curada. Parece mesmo que esta história vai ter um final feliz.
5 comments:
Eu sempre fui assim, de dar nome aos bois, mesmo sem ter passado por experiências tão fortes quanto as suas, mas nunca,nunca mesmo, entendi esse receio que beira o medo que as pessoas tem de pronunciar a palavra câncer. É como se, pronunciando, vc estivesse chamando ela pra vc... Uns chamam de CA, outros de "a velha doença",outros de n nomes que pra mim não fazem sentido...
Acho que dar nome aos bois é encarar de frente, é dizer para quê feio e se colocar numa posição de combate, afinal, a arte da guerra diz "seja amigo do inimigo" ;-)
beijo moça e bom dia
Dani, tá curada sim em nome de Jesus !!!!!!!!!!!!!!!!! esse ano será diferente !
E com certeza poupe seus pais.. nossa...amor de pai pra filho é algo assim imensurável.. imagino o sofrimento deles...
Que aconteça tudo comigo mas nada com meus filhos... é isso que peço sempre ...
um beijo querida !
Olá Dani :o)
Não sei se vc lembra de mim...
Eu estou no seu orkut e vc já meu deu altas dicas para o meu casamento:o)
Pois somos da mesma comunidade de noivas.
Li seu blog de ponta a ponta....
Assim como vc,tambem acredito que minha vida seja um conto de fadas.
Agora vou entrar sempre,desejando muitas vibrações positivas!!!!
Pois foi isso que vc sempre me passou,mesmo que virtualmente
Beijos
Rê
Olá Dani :o)
Não sei se vc vai lembar de mim...
Eu estou no seu orkut e vc já meu altas dicas para o meu casamento:o)
Pois somos da mesma comunidade de noivas.
Li seu blog de ponta a ponta....
Assim como vc,tambem acredito que minha vida seja um conto de fadas.
Agora vou entrar sempre,desejando muitas vibrações positivas!!!!
Pois foi isso que vc sempre me passou,mesmo que virtualmente
Beijos
Rê
Oi Dani, eu tive uma depressão em 2001 e embora meus pais tenham ficado 2 meses comigo no Rio (eu morava lá na época), era muito difícil pra eles, principalmente par minha mãe, aceitar que eu estava doente.
Sou mãe de um menino de 4 anos e, felizmente, ele é super saudável mas acredito que tb encararia qualquer problema de frente.
bjs
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