Lembro que da primeira vez que ouvi este termo quase morri. Depois da minha primeira cirurgia em 2002, os médicos tentavam me explicar o meu prognóstico. Não sei se existe hora certa para conversar sobre um assunto tão delicado, não sei se chega um ponto quando o paciente está pronto para tocar no assunto. Comigo a primeira conversa mais detalhada aconteceu ao deixar o hospital. Depois de passar quase um mês internada, sendo furada, espetada, empurrada, enfaixada e tudo mais que se pode imaginar, enfim tinha recebido alta, ia poder ir para casa.
Já no carro, ligo para o médico, que está bastante otimista devido à natureza do tumor e à resposta do meu organismo. Lá pelas tantas ele garante que eu tinha "muitas chances de ter uma sobrevida excelente." Como é que é? Sobrevida? Como assim? Quando é que eu tinha deixado de ter a minha vida para ter que me contentar com uma sobrevida? Por que todo mundo tem direito a viver e a mim só resta "uma sobrevida excelente."
Ouvir isso logo depois de completar 29 anos dói e dói muito. Começo a chorar no telefone, mas o médico não entende o motivo, afinal a notícia é ótima. Pode ser para ele, que tem a vida toda pela frente. Quanto a mim, só me resta o raio da sobrevida, que por mais excelente que possa ser, ainda tem o nome de sobrevida. Na minha cabeça é como se eu tivesse estourado o tempo regulamentar e agora só pudesse jogar na prorrogação e ainda com o risco de morte súbita.
Custei muito a digerir a notícia, por melhor que os médicos achassem que ela pudesse ser. Levei meses, anos evitando o assunto. Nunca me neguei a falar da minha experiência, da qual me orgulho muito, e de tudo que aprendi com ela, mas aceitar o rótulo de "sobrevivente" já era pedir um pouco demais. Para mim sobrevivente é que consegue sair vivo de um acidente de avião ou de um terremoto, tipo "sobreviventes dos Andes" mesmo. E pior que sobrevivente era a tal da "sobrevida", que me apavorava horrores já que tudo que eu queria era ter a minha vida de volta.
Logo depois da cirurgia quis me envolver com o INCA ou com outros pacientes de câncer, mas os médicos me aconselharam a esperar um pouco e como o tempo para a alta é de cinco anos resolvi me dar este prazo. Então não pensei mais no assunto.
Até que uma vez assistindo ao Today Show, já em Maryland vi uma matéria com a Kris Carr, a tal menina que escreveu o Crazy Sexy Cancer Tips e que além de escrever este manual sobre câncer documentou toda a expriência dela lidando com a doença. Achei a idéia o máximo, já que o sentimento de solidão tinha me marcado demais durante meu tratamento. Por mais que familiares e amigos estejam ao nosso lado, que os médicos transmitam confiança, faltam referências, gente como a gente que tenha vivido aquilo como protagonista e não como coadjuvante. Como tinham passado exatos cinco anos, achei que tinha chegado a hora de me engajar de verdade. Comecei a pensar no livro, nas entrevistas com outros pacientes/sobreviventes de câncer, em como poderia fazer a tal diferença. Durante a minha pesquisa, aprendi também que no tratamento do câncer, a gente vira oficialmente "sobrevivente" depois de passados cinco anos da cirurgia/tratamento. Bingo! Eu tinha chegado lá. Era o sinal verde que eu precisava para me aproximar da causa.
Aos poucos comecei a entrar em blogs e fóruns sobre o câncer, a fazer parte dos eventos da American Cancer Society da minha cidade. Enfim tive coragem de confrontar o fantasma. Afinal, de acordo com todas as evidências médicas já estava livre dele.
Not so fast, como diriam os gringos. Parece que na hora que respirei aliviada, ele mostrou a cara de novo! Inacreditável, pois não há na história da medicina casos de recidivas de hepatocarcinoma em cinco anos, até porque hepatocarcinoma MATA e muito rápido! mais uma vez eu era a exceção da exceção. Pelo jeito meu CA é camarada e meio preguiçoso, acho que ficou muito ferido na outra batalha, mas já estava querendo mostrar as manguinhas.
Mas o que tudo isso quer dizer é que agora, depois de ter zerado o relógio, começo a contagem regressiva de novo. No início isso me deixou bastante triste, mas agora não mais. Como certeza é coisa que não existe, decidi que não vou me prender a números ou prazos. Esperar cinco anos para quê? De hoje para frente, eu, Danielle Machado Duran Baron, me considero oficialmente curada e abraço de corpo e alma a minha condição de sobrevivente dupla. Dia 5 de janeiro de 2008 passa ser o primeiro dia do resto da minha vida.
6 comments:
Dani, quando começo a dar uma desanimada, venho aqui "beber" da sua força e coragem...
Oi Dani, fiquei sabendo do seu blog pela Cláudia. Nós nos conhecemos eano passado já que moro em VA tb e esse ano estie na casa dela pro nosso 2a amigo oculto.
Você escreve muito bem e é corajosa em tratar um assunto tão difícil pra você.
Eu não conheço a Denise do http://denisezen.zip.net/ mas ela tb é uma sobrevivente do câncer. Se vc não a conhece, achei q vc gostaria de saber sobre o blog dela.
Passamos por tantas fases difícies na vida e tb acredito q precisamos nos munir de muita força pra continuar. Admiro sua determinação e leve mesmo seus projetos adiante! Não espere!
bjs
Suas palavras injeções de animo. Take care!
Isso aí, comemore mesmo, muito, porque você é uma abençoada sobrevivente dupla! :o) Beijos.
Dani, cheguei aqui pelo blog da Cláudia, antes de sua cirurgia. Só posso desejar a vc que Deus continue te dando essa força que vc tem para ser esse exemplo de mulher! Um abraço forte, Adriana.
Seus textos são sempre emocionantes.
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