February 6, 2009

Pátria Amada

No início da semana recebi um email de uma amiga, que foi minha vizinha em Nova York, mas é paulistana e está de volta ao Brasil. Na verdade, ela já voltou para casa há anos, mas quem já fez esta viagem sabe que o processo é longo e às vezes doloroso.

Como nós duas somos jornalistas e adoramos devaneios, às vezes a conversa toma um rumo mais filosófico e a gente começa a falar da vida no Brasil e da vida nos EUA. Então, no email, quando ela me perguntou como eu me sentia, ela não queria a resposta básica, também não se referia à minha saúde, que graças a Deus, está ótima. A pergunta dela veio logo carregada. Reproduzo na íntegra: “Mas e você, me conta mais, como se sente nos United States of America? Se sente americana, carioca, brasileira, de outro mundo”,? perguntou a Jenny, que apesar do nome é brasileiríssima!

O impulso foi cantar aquela música dos Titãs para ela: "Não sou brasileiro, não sou estrangeiro / Não sou de nenhum lugar, sou de lugar nenhum, sou de lugar nenhum / Não sou de São Paulo, não sou japonês / Não sou carioca, não sou português / Não sou de Brasília, não sou do Brasil / Nenhuma pátria me pariu!”

Mas estranhamente os versos já não me descreviam mais! Não agora, do alto dos meus 35 anos. É verdade, foi assim que me vi a vida toda, um verdadeiro ET, mas hoje apesar de viver longe, não tenho dúvidas de quem sou e de onde vim, uma grata supresa para mim, que passei a vida me questionando. A história é longa...

Na infância, não gostava de boneca, preferia livros. Na adolescência só pensava em programas de intercâmbio que pudessem me trazer para os EUA, nada no Brasil me interessava muito. E na faculdade, depois de ter conseguido a bolsa de estudos, quando cheguei aqui, tomei um susto ao meu primeiro contato com as Barbies deslumbradas, que era como eu carinhosamente chamava as minhas colegas. Resultado: fui parar no grupinho das lésbicas – sem ser lésbica!!! E pior sem nunca ter sido e nunca ter tido a menor vontade. Vai entender! Nasci para ser gauche na vida!

Depois da faculdade, apesar dos pesares a casa da gente é sempre a casa da gente, então voltei correndo para o Brasil, mas ao chegar à pátria amada, assim como a nossa Carmem Miranda, também disseram que eu tinha voltado americanizada! Fala sério!!! Mas a voz do povo deve ser mesmo a voz de Deus e a minha passagem pela terra-mãe não durou muito tempo e em menos de dois anos já estava eu fazendo as pazes com o Tio Sam e me mudando de mala e cuia para Nova York. E pela primeira vez na vida me senti em casa!

Passei cinco anos maravilhosos naquela cidade, onde fiz muitos dos meus melhores amigos, todos interessantíssimos e muito diferentes entre si. Pertencia a vários grupos e navegava com muita naturalidade em todos eles. Só tinha um probleminha: como eu não era americana, precisava de visto toda hora que mudava de emprego, o que é muito complicado, principalmente para quem está em início de carreira, principalmente em jornalismo. Juntaram-se então os aborrecimentos com a imigração e os invernos gélidos de Nova York, depois de cinco anos, acabei voltando para casa e fui ficando, quase que por acaso. Comecei a trabalhar, mas avisei ao chefe que não contasse comigo para mais de um ano, pois estava decidida a voltar para Nova York assim que ajeitasse a minha vida. Sub-loquei meu apartamento fofo no West Village para que a qualquer momento pudesse voltar para a Manhattan. Tinha um pé no Rio e o outro em Nova Yok e estava pronta para abandonar o navio brasileiro ao primeiro sinal de perigo ou frustração.

O primeiro ano foi trevas!!! O trabalho era legal, mas voltar para casa depois de tanto tempo fora é muito complicado. Tive que aos poucos reaprender a viver no Rio e desenterrar a carioca que deveria existir em algum lugar em mim. Mas o tempo foi passando e como dizem os mais sábios, o tempo cura tudo... Quando percebi já estava de volta havia mais de cinco anos e por mais incrível que pudesse parecer estava gostando da minha vida! Estava enfim aproveitando o lugar que tinha nascido e completamente readaptada. Estava conformada com a minha brasilidade e por que não satisfeita com ela? Apesar de tantos problemas, vejo muita coisa absolutamente fantástica no nosso país e no nosso povo. Não sou ufanista nem fanática, mas confesso que tenho orgulho do meu país, das pessoas que trabalham, da mistura de raças e credos, da simpatia dos meus conterrâneos, tenho sim.

Se durante tanto tempo, sofri por não saber onde me encaixava e tentava desesperadamente descobrir se haveria um tal lugar onde eu realmente “pertencesse”, hoje sei bem quem eu sou e de onde venho. Quanto mais o tempo passa e quanto mais fico aqui fora, mais sinto que a minha casa é mesmo o Brasil, com tudo de ruim e de bom do nosso país.

Carrego tudo isto dentro de mim e não tenho a menor vontade de ser outra coisa. Aprendi a gostar dos americanos e dos ingleses e dos indianos e dos chineses de tanto conviver com eles, mas mesmo morando aqui por muitos anos, não tenho a menor intenção de me americanizar e renegar o meu país. Tenho até pena de quem se acha americano tendo nascido em outro lugar, pois aos olhos dos americanos nascidos aqui, vai ser sempre outsider, e aí sim não vai ser brasileiro, nem estrangeiro, vai ser ET!

Eu já me senti ET durante muito tempo, mas assim como a minha amiga, fiz as pazes comigo, com o Rio e com o Brasil, onde tenho minhas raízes e referências. Por melhor que tenha sido a minha acolhida aqui, por mais que tenha escolhido morar nos EUA, nunca quero deixar de ser quem eu sou. Apesar de algumas influências americanas (tem muita coisa que aprecio neles aqui), continuo sendo 100% brasileira! Apesar do Lula, da Dilma, do Zé Dirceu, do Collor, do Maluf, do Sérgio Cabral, do Eduardo Paes, do Bispo Crivella, do Sarney e de tantos outros picaretas que se multiplicam numa velocidade absurda nas páginas dos jornais...falo com orgulho do meu país.

Como boa brasileira, tenho muita fé de que um dia nosso país vai ser um lugar melhor. E é por isto que quando for mãe, vou fazer questão de ensinar português aos meus filhos, que vão ser misturados. Espero que eles tenham a disciplina e a tenacidade dos americanos, mas o bom-humor e a diplomacia dos brasileiros. E acima de tudo, espero que eles saibam exatamente de onde vieram e tenham orgulho disso. Afinal, como diz o Obama, somos todos vira-latas.

5 comments:

Silvia said...

Lindo texto! A gente não precisa sair de casa para se sentir ET, como você mesma disse só quando descobrimos quem somos é que paramos de achar que somos estranhos ou que tem algo de errado com a gente.
Mas ter um pé no Rio e outro em NY é o sonho de qualquer mulher! =)
Beijocas!

Anonymous said...

Já vivi em 3 países, além do Brasil. Adaptei-me em todos, mas gostar mesmo é outra coisa.
O bom é aproveitar o que cada lugar tem de bom e tentar não ficar fazendo muitas comparações, porque aí fica mais difícil.
Se eu pudesse, criaria um novo lugar que tivesse as coisas boas que achei nos lugares que vivi, somadas às boas coisas do Brasil e do Rio em particular.
Sonhar não custa nada.
Boa semana. Ainda estou no Rio e não há novidades "naquele" assunto.
Beijos
Gaby

Dani said...

Silvia,
Parece chavão, mas não é mesmo! A gente tem que se achar primeiro, mas que é difícil é... Nem me diga -- ponte-aérea Rio-NY é tudo de bom! Saudade...
Bjs

Gaby,
Também sou otimista...vou levando um pouquinho de tudo que aprendi na esperança de um dia poder voltar para casa, pelo menos por alguns meses no ano.
Que bom que não tem nenhuma novidade, pois como se diz aqui "no news is good news!
Bjs e aproveita o Rio e o calor por mim!

Anonymous said...

Adorei o texto Dani! Somos cidadães do mundo, e o melhor é não se prender a lugar algum, só temos a ganhar com isso. Vide vc que o amor te levou para o país que tanto gosta apesar de não ser o seu de origem. Admiro o seu despreendimento, amiga!

Fernanda França said...

Se achar é difícil, mas bom, não é? E descobrir que não há nada de mal em aceitar suas raízes é uma grande descoberta. E raíz é raíz, não tem jeito, rs. Beijos.