Esta semana estou com uma missão impossível: conseguir uma tomografia computadorizada para uma paciente que não tem plano de saúde. Parece problema de Terceiro Mundo, mas acontece bem aqui, embaixo do meu nariz. Aliás não só do meu, mas debaixo do nariz do Obama também, pois a paciente mora em Prince George's County, uma região mais pobre e predominantemente negra que faz parte da área metropolitana de Washington, DC.
O surreal da situação é que uma funcionária do departamento de saúde ligou para a minha chefe desesperada pedindo ajuda! A paciente em questão tem seus cinquenta e poucos anos e trabalha, mas não tem direito a plano de saúde, como é bem comum neste país. Existe alguma coisa especial para pacientes de câncer, um plano de ajuda ou coisa parecida, mas como a paciente ainda não tem o diagnóstico ("apenas" uma enorme suspeita!), não se qualifica para tal. Não é a coisa mais absurda que existe!?
Pois é, aqui não tem nem SUS para o sujeito morrer na fila. Aqui, morre-se em casa mesmo, já que não há para onde correr. Sim, existe o Medicaid, mas como ela trabalha e paga impostos, está acima do nível de pobreza exigido! Também tem o Medicare, mas como ela só tem cinquenta e poucos anos, não pode ser considerada idosa. Então por não se encaixar em nenhuma das exigências, ela espera, muito provavelmente em vão...
O caso chegou às nossas mãos esta semana, mas já está rolando há dois meses! Dois meses que esta senhora vive sabendo que tem dentro de si uma bomba, que pode explodir a qualquer momento, que pode estar se espalhando por todo o seu corpo. Há também uma pequena chance de ser um tumor benigno, mas quem consegue dormir com um barulho destes?
São casos assim que tornam a reforma do sistema de saúde aqui urgente. Afinal, como esta paciente, existem mais 47 milhões de pessoas que não tem qualquer tipo de plano de saúde nos Estados Unidos. O argumento dos conservadores é que com uma grande reforma, a medicina sera "sociliazada" (Sentiu medo do socialismo/comunismo? É isto que eles querem!). Desta forma, o Governo passa a decidir sobre as escolhas do cidadão. Segundo os opositores da reforma, só aqueles que trabalham e pagam impostos vão ter que pagar pelo saúde de imigrantes ilegais ou vagabundos de plantão. Claro que não quero pagar mais pra sustentar quem está à margem da sociedade por opção, mas me parece pouco justo que alguém que teve poucas chances de estudo e que por isto desempenha funções que exigem menor qualificação e consequentemente tem um emprego que não oferece qualquer benefício (plano de saúde, seguro-desemprego, licença médica, etc.) fique desemparado numa hora destas. Afinal de contas, como esta paciente, há muita gente que em vez deficar em casa recebendo food stamps (ou auxílio do governo, tipo bolsa-família?!) trabalha para pagar suas contas. Seria muito mais fácil então, viver à margem da lei, como muitos imigrantes e não-imigrantes fazem, sem pensar duas vezes antes de abusar do sistema.
A situação é muito complicada aqui. O debate é tão complexo que confesso que ainda não tive paciência para sentar e ler tudo. Só sei que como está, não pode ficar. A discussão tomou um vulto tão grande (barracos em townhalls, protestos, gente indo armada, Obama pintado como Joker, etc.) que alguns alegam que o Obama, por falta de apoio, vai acabar deixando a coisa rolar. Mas não é isto que o presidente americano alega.
"I suffer no illusions that this will be an easy process. It will be hard. But I also know that nearly a century after Teddy Roosevelt first called for reform, the cost of our health care has weighed down our economy and the conscience of our nation long enough. So let there be no doubt: health care reform cannot wait, it must not wait, and it will not wait another year."
– President Barack Obama, February 24, 2009
Vamos ver no que vai dar...
2 comments:
Olá boa noite
É triste ver que um pais como USA está preocupado com o dinheiro que vai ser necessário gastar para que os cuidados médicos necessários cheguem aqueles que vivem no seu território e nao tenha tanta preocupaçâo com o dinheiro que é gasto todos os anos a nivel militar.
julgo que em primeiro lugar o que se deveria discutir é se a saúde é um negócio ou é um direito ,nâo sei como é mesmo o sistema de impostos nos Estados Unidos ,mas julgo que quem trabalha paga imposto portanto o estado deve dar condiçôes para que quando essas pessoas adoecem possam, ser tratadas .Em Portugal um País minusculo comparado com o states todos os habitantes sejam nacionais ou imigrantes tem garantido cuidados de saude ,sendo que alguns por terem um rendimento muito baixo ou por terem uma doença cronica nâo pagam absolutamente nada os outros pagam umas taxas moderadoras, por exemplo uma ida ás urgencias num hospital central a taxa é de nove euros, uma consulta numa clinica privada ronda no minimo os sessenta euros e mesmo assim há quem esteja contra estas taxas por acharem que deveria ser tudo gratuito. As doenças oncológicas assim como outras crónicas o doente usufrui da gratuitidade em todos os procedimentos médicos.E quando o doente nâo tem capacidade financeira para fazer o pagamento das taxas nâo deixa de ser tratado como qualquer outro.
Julgo que o que está aqui em causa acima de tudo tem que ver com a dignidade humana se uma sociedade nâo se preocupa com os seus habitantes deve fazer uma grande reflexâo.
Ups termino senâo ainda gasto a tinta hehehe.
fique bem
jorge
Oi Jorge,
Bom ver você por aqui.
Pois é, quem me dera que as cosias fossem tão simples aqui.
A mentalidade da sociedade e das autoridades americanos tem que mudar. Há muitos exemplos de sistemas de saúde mais justos pela Europa. Quem sabe nos servem de inspiração?
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