July 26, 2009

Nunca é Fácil

Umas semanas antes da minha viagem ao Rio, ajudei a Elizabeth a recrutar pacientes para uma palestra sobre transplantes e cânceres sanguíneos. Assunto terrível pra nós duas que tínhamos acabado de perder o Todd.

Só de entrar naquela unidade de TMO me deu calafrios. Tudo ali me lembrava morte -- as enfermeiras, os aparelhos, os médicos, os fios, os barulhos e os quartos -- um cenário muito triste. Pela primeira vez, entrei lá sem destino certo. Desta vez, tivemos autorização de entrar em outros quartos e de conhecer outros pacientes. Como a palestra era paras pacientes de leucemias e linfomas de todas as idades, acabamos por ampliar nosso público, quase sempre jovem.

Primeiro perguntamos aos médicos e enfermeiras quais pacientes poderiam deixar o leito já que a palestra seria no primeiro andar do hospital. De posse desta informação, nos dirigimos a vários quartos e conhecemos várias pessoas bacanas. Ao andar por aquelas alas a sensação era de que eu estava no corredor da morte e de que qualquerum que cruzasse meu caminho talvez não estivesse mais lá dentro de pouco tempo.

Entramos num dos quartos maiores, sentado na cadeira, vimos um homem de seus sessenta e tantos anos. "Alguém pode me informar onde eles guardam a cerveja por aqui?," ele nos perguntou sorrindo. "Olá, sou Roger Meyers, e vocês quem são?" Nos apresentamos a ele que continuou a mostrar bom humor "Já falei pra eles que sem birita não vai dar pra ficar aqui não...este negócio de ficar sentado o dia inteiro é muito chato!" Perguntamos se ele queria assistir a palestra, mas ele foi logo dizendo que estava esperando visita. "Claro, chamei todo mundo pra me visitar aqui e ver se o tempo passa mais rápido!"

Roger também nos falou rapidamente sobre a doença, mas uma frase sua me marcou bastante. "Antes em mim do que num jovem, como vocês. Já tenho 67 anos e tive uma boa vida, se é este o preço a ser pago, tudo bem. É justo."

Meus olhos se encheram de lágrimas. Logo eu, que vivo levantando a bandeira dos pacientes jovens... Mas de alguma forma a afirmação dele não me parecia correta. Um homem de 67 anos é jovem também! Ele tem quase a idade do meu pai e de forma alguma acho que o ciclo dele está completo. Ainda há tanto a fazer... Claro que entendo a afirmação dele, mas preferi pensar que em pacientes mais velhos o câncer é menos agressivo e que estes tem mais chances de cura. Longe de mim querer organizar a fila da morte!

Mas Roger estava mesmo disposto a não deixar a tristeza tomar conta dele. "Olha, estou preparado para o que der e vier. Por enquanto estou fazendo os tratamentos pré-transplante," ele explicou. Logo perguntei, "Você já tem doador?" Ele sorriu de novo, "Pois é, eu tenho 14 irmãos e irmãs, então os médicos me disseram que as chances de algum deles ser compatível são de 300% e por isto estou tranquilo," ele mais uma vez respondeu sorrindo.

Muito embora eu saiba que em medicina e, especialmente ao se falar de câncer, 300% de chances é coisa que não existe, naquele momento me convenci que Roger estava certo. A coragem daquele homem era contagiante e seu jeito de bem com a vida faria qualquer um sorrir.

Além dele, naquele dia encotrei outras pessoas na mesma situação, mas de novo nenhuma delas estava disposta a entregar os pontos. A minha posição era difícil, pois eu sabia a longa caminhada que cada um deles teria que fazer, mas depois de conversar com Roger e com os outros pacientes que me pareciam pessoas tão boas e resignadas, decidi que a minha esperança também não poderia morrer ali.

Não vi mais o Roger, pois ainda não voltei à unidade de TMO, mas do fundo do meu coração espero que não só um, mas vários de seus irmãos sejam compatíveis e possam ser doadores. Apesar de só tê-lo visto uma vez, ficou a impressão de que o mundo seria um lugar muito mais triste sem ele. Espero que dentro de pouco tempo ele possa sair do hospital para tomar uma cerveja bem geladinha!

2 comments:

Silvia said...

Oi Dani, tudo bem?
Adorei te conhecer ao vivo, pena que foi rapidinho.
Estou sem internet (meu modem quebrou) por isso o sumiço.
Aliás acabei ficando atrasada na leitura dos blogs, mas amnhá resolvo isso se tudo der certo.

Beijocas!

paula said...

Oi Dani,

Nossa, tenho o maior interesse nestas palestras, o que falam de novidades neste campo?
Estou perplexa, fazer um TMO em uma pessoa com 67 anos? Se fosse aqui, o médico vai preso, isso é muito louco, tem o pai de uma amiga minha que tem LMC e está com 63 anos, se trata com um dos melhores oncologistas do Brasil e nem cohitaram TMO para ele, vai entender...
Esse desencontro de informações deixa os pacientes loucos, mas minha grande dúvida, é porque ocorre a Leucemia? Será que algum dia alguém vai conseguir me responder?
O que vc mencionou como corredor da morte, sempre sentí assim, mas nunca tinha tido coragem de admitir, coincidência ler isso no seu blog, outro dia um menino de 25anos que vai fazer o TMO, me procurou e me perguntou se a maioria voltava, eu não tive coragem de dizer, me ví nele há quinze anos atrás, é muito duro falar a verdade para pessoas jovens, muito duro...

Bjssss