July 23, 2009

Monica

Antes mesmo de voltar ao trabalho soube da morte da Monica, que havia acontecido uma semana antes. Recebi a notícia com pesar, mas não com supresa. Dias antes da minha viagem ao Brasil, passei no CTI para me despedir dela, pois tinha quase certeza que Monica não estaria mais ali após meu retorno. O quadro era triste demais. Ela já estava inconsciente e o marido, Antoine, sempre ao lado dela, parecia muito cansado. Para mim, ficou claro que o fim da batalha estava muito próximo. Conversei com ela, que tinha os olhos fechados e permanecia imóvel, e saí com a certeza de que não nos veríamos mais.

A maior dificuldade que tenho é entender como, em pleno século XXI, uma criança de menos de dois anos perde a mãe, que tinha apenas 37. Na minha inocência – ou será ignorância? – pensava que estas coisas não aconteciam mais, que ninguém morria assim tão jovem de câncer. Sempre achei que com tantos avanços da medicina, com tantos recursos, a doença poderia ser mais controlada e possivelmente erradicada e que praticamente todos os pacientes poderiam encontrar a cura. Mas infelizmente descobri que estava completamente errada. A cura não é para todos. Nenhum tratamento é garantia de nada. Dos milhares que recebem este terr'ivel diagnóstico, muitos ainda morrem e vão morrer de câncer em pleno século XXI.

O caso da Monica surpreendeu ainda mais pelo tipo de câncer que ela tinha, um linfoma não-Hodgkin, que teoricamente seria o mais fácil de ser tratado em pacientes da faixa etária dela. Teoricamente, porque no caso da Monica não foi, e em pouco mais de um ano, seus quatro filhos ficaram sem mãe. Não sei quais foram os fatores que contribuíram para que o caso da Monica tivesse este final triste. Talvez a doença já estivesse em estágio avançado quando foi descoberta, talvez fosse um tipo muito específico e pouco conhecido de difícil cura. Não sei, nem vou saber. Mas somente o fato dela ter sido submetida a um transplante cujo doador não era totalmente compatível, me leva a pensar que os médicos deveriam estar realmente desesperados.

Nas últimas semanas de vida de Monica, Elizabeth mostrava-se preocupada principalmente com os filhos dela, cujas idades vão de 11 ou 12 a menos de 2. “Que lembranças eles terão da mãe?”, Elizabeth me perguntava. “Quando a hora da formatura chegar, na hora do casamento, ou quando tiverem seus próprios filhos, eles nunca vão saber o que a mãe os teria dito caso estivesse viva,” ela ponderava, enquanto eu escutava em silêncio. “Será que não deveríamos usar estes momentos para criar estas memórias em vez de submeter uma mãe tão jovem a um tratamento tão agressivo, mantendo-a dopada e desacordada durante estes dias que podem ser seu últimos?”, ela questionava.

O grande problema é como abordar esta questão. Elizabeth acha que este papel seria dos médicos, ao explicar ao paciente a real gravidade da situação, sendo assim incentivando este tipo de pensamento, este desfecho, esta despedida. Mas o que dizer a uma mãe de 37 anos cujos dias se esgotam numa rapidez cruel? Como dizer a ela que seu tempo é muito curto e que ainda há coisas a fazer? Como explicar a ela que ela precisa se despedir de uma vida inacabada?

Monica não via os filhos desde a Páscoa, quando conseguiu passar um dia na casa dos sogros. Durante os meses que ficou internada, as crianças mandavam cartões e fotos e Monica fazia questão de colá-las na parede daquele quarto tão impessoal. Apesar da saudade enorme, Monica não queria que as crianças tão pequenas a vissem tão frágil e tão doente. Monica não queria que fosse esta a imagem gravada na memória delas. Monica não queria que a rotina deles se saísse do normal. Sabemos das muitas coisas que Monica não queria, entretanto, agora que a Monica partiu, sabemos muito pouco sobre o que ela realmente queria.

Sei que ela gostava de moda e de decoração e que adorava uma liquidação das boas. Que ela e Antoine se conheceram bem jovens e que eram grandes amigos e cúmplices. Sei também que ela amava seus filhos e que seu grande sonho depois de criar três meninos era ter uma filha, o que ela conseguiu realizar com o nascimento de Mackenna, uma linda garotinha de cabelos louros e chacheados, que provavelmente ainda é pequena demais para lembrar da mãe que partiu.

Monica descobriu a doença no final dos exames do pré-natal de Mackenna. Pouco pode cuidar da filha tão desejada. Não sei que tipo de lembranças ela pode deixar para a menina. Tenho certeza que Antoine é um ótimo pai e certamente vai fazer o possível para preservar a memória da esposa e mãe tão dedicada. Rezo para que ele tenha forças para seguir em frente, pois a responsabilidade é imensa, do mesmo tamanho que a saudade.

Não sei se Monica conseguiu escrever alguma carta ou deixar algum tipo de mensagem para seus filhos. Só sei que a história dela me faz pensar que talvez a Elizabeth tenha mesmo razão. Não devemos jamais perder a esperança, mas a esperança não necessariamente é sinônimo de cura. Talvez, para alguns, a esperança seja a chance de ter uma vida normal mesmo depois de sofrer uma perda tão dura.

6 comments:

Amanda Kartanas said...

Ai Dani ...
Não tive como conter as lágrimas depois de ler o post. Acabo de ver o filme My Sister's Keeper, a história de uma menina que luta contra a mais grave das leucemias e de todas as dores que a doença traz para todos os envolvidos. Escolhas são sempre difíceis, ainda mais quando estão interligadas a esperança.
Como está Lilian? Meu marido está viajando a trabalho e com meu inglês macarrônico não consigo me corresponder com ela.
Beijos para você e parabéns pela sobrinha LINDA!

Dani said...

Amanda,
Você é minha versão paulsita! Sabe que estou lendo o mesmo livro? Quis ler antes de ver o filme. Muito emocionante embora triste. Nestas horas fico me achando a mais sortuda do mundo! Não tenho falado muito com a Lilian porque as últimas notícias não foram boas e ela me disse que entraria em contato quando se sentisse melhor. Houve metástese para o cérebro. Continuo rezando muito por ela e vou escrever pra ela..ela não quer visitas.
Tudo bem com você?
Bjs

A menina e os pensamentos said...

Já lhe disse... Vc sempre me emociona... Beijos!

Amanda said...

Comigo tudo ótimo ... como te disse nas últimas mensagens, normal demais até. Já voltei para meu dia-a-dia frenético de sempre. Muitas vezes tenho que me lembrar do que realmente importa e de quem realmente sou.
Beijocas

Isabella said...

Oi Dani, vc acha que doentes como a Mônica term força emocional para deixar um scrapbook para a família? Eu gostaria de poder fazer isso por essas famílias, sem ônus nenhum, claro! De repente essa iniciativa já existe mas se vc achar que existe a oportunidade, por favor, me dê um toque.

bjs e obrigada!

Dani said...

Isabella,
Acho que tem sim! Claro que depende de cada paciente, mas acho que o tempo que eles passam sem fazer nada no hospital pode ser melhor utlizado fazendo coisas prazerosas. Claro que a gente não diria que o scrapbook seria um último presente pra família e sim uma forma do paciente se manter conectado com a vida lá fora.
Achei a idéia ótima! Vou conversar com um pessoal aqui e te falo. Obrigada pela dica!
Bjs