Ainda tem muita idéia borbulhando na minha cabeça. Às vezes acho que ainda não digeri toda esta história direito e vez ou outra fico me perguntando qual teria sido o momento mais difícil de toda esta caminhada. Terá sido o primeiro diagnóstico há cinco anos, que me pegou completamente de surpresa, ou terá sido este do mês passado, que também me pegou de surpresa, mas me lançou numa viagem apavorante através do tempo?
Tenho gravados na minha memória muitos momentos marcantes, desde a reação da Dra. Alice Moll, ao ver um tumor gigante no meu fígado, até as palavras do maqueiro que me levou ao centro cirúrgico para a grande batalha. Tudo como se fosse um filme. E agora as cenas se misturam ao c apítulo mais recente: a mesma médica, o mesmo hospital, a mesma sala fria e escura, e o pior, o mesmo diagnóstico.
Considero o primeiro diagnóstico como uma espécie de "perda da inocência". No auge dos meus vinte e tantos anos a idéia de morte ou mesmo de doença jamais havia passado pela minha cabeça. Sei que algumas famílias sempre têm aquele irmão/filho/primo/tio doente que passa longas temporadas internado, mas na minha simplesmente não há, ou o povo morre velhinho ou morre de acidente. Antes de tudo isso começar só tinha dormido no hospital uma vez, quando a minha irmã tinha sofrido um acidente de carro e precisou ficar em observação. Nem sangue vi.
Então aquilo tudo me parecia surreal. Um dia você está ótima, no outro tem um tumor no fígado que precisa ser retirado urgentemente e no outro está lutando pela vida no leito de um CTI. Como aquilo tinha acontecido comigo? As notícias só pioravam: a cirurgia tinha sido quase impossível, as complicações se multiplicavam e o diagnóstico cada vez mais complexo. Parecia um interminável filme de terror. Mas se alguma lição ficou comigo é de que tudo acaba; todo o sofrimento tem fim. Foi aí que aprendi a rezar assim pedindo apenas que o dia de amanhã seja melhor que o dia de hoje e que Deus aumente a minha fé e a minha força para que eu possa encarar os desafios que se apresentam diante de mim.
Mas justo quando achava que já tinha aprendido e processado todas as tais lições, um outro terremoto se abateu sobre mim. De novo eu ali, deitada na sala de ultrassom, passados mais de cinco anos, mas aquela expressão no rosto da Dra. Alice era inconfundível. Conversávamos animadamente quando de repente um silêncio tomou conta da sala escura. Olhei para ela, que olhava para a tela incrédula. Não podia ser. Tudo de novo?! Não!
Mas era. Ela tinha visto a tal massa no lobo direito do meu fígado, onde tudo tinha começado. Eu implorava para que ela olhasse mais uma vez, para que encontrasse algum engano ou para que tudo aquilo não passasse de um sonho ruim. Mas era a verdade e eu sabia exatamente o caminho a trilhar. Isso era o pior.
Implorei a ela que me dissesse que o caso não era cirúrgico, mas obviamente nós duas sabíamos bem do que se tratava e da estrada que eu tinha pela frente. Saí da sala aos prantos. Na sala de espera vi meu pai que imediatamente percebeu que havia algo de muito errado. Me sentia no meio de um terremoto, via o chão se abrir sob meus pés mas não tinha para onde fugir. Me desesperei e revivi o momento mais assustador da minha vida.
Então tudo acontece como num filme onde sou um misto de espectadora e protagonista. Pareço viver um transe. Saio da sala de espera e me encaminho para a sala de ressonância magnética. Troco as minhas roupas pelo pijama cinza e sento para esperar minha sentença. Num instante surge a enfermeira com a tão temida agulha para a prova de contraste. A minha veia se esconde, como sempre, mas finalmente é puncionada. Sento na cadeira com a veia espetada aguardando o chamado. Olho meu pai sentado no final do corredor, arrasado. Só quero chorar, mas não posso, ainda não. Entro na outra sala escura, deito na maca, entro tubo a dentro. Nem os fones abafam os sons metálicos, uma voz robótica me passa as instruções: "respire fundo, prenda a respiração, expire." Por trinta minutos faço o que me pedem. Rezo e seguro as minhas lágrimas. Saio do tubo, ciente da minha condição, volto para a cabine, troco de roupa e espero o juízo final.
Os médicos evitam me dar detalhes, mas a tal massa está la, não restam dúvidas. Eles se encarregam de entrar em contato com os médicos que me acompanham. Ainda me pergunto se tudo aquilo é real. Peço para que Deus me tire dali imediatamente, mas então penso que se trata de mais uma provação que devo enfrentar.
Ao sair do hospital, resolvo ir à capela, a mesma que fui naquele dia ensolarado de outubro de 2002. Esta tarde de dezembro é assustadoramente semelhante: quente e linda; tudo parece tão normal a minha volta. Olho no rosto de São Francisco, o mesmo santo padroeiro da igreja onde tinha me casado há menos de um ano, vejo a imagem de São José e peço ao Cristo na cruz mais força e fé. Sei que a caminhada será árdua e vou precisar de ajuda.
Aquela viagem de carro foi a mais longa de toda a minha vida. Se na primeira vez, tudo era nebuloso e as dúvidas muitas, desta vez, tudo me parecia muito escuro e algumas respostas eu já tinha, por mais duras que elas pudessem ser.
Enfim falo com a secretária do meu médico que me agenda para o dia seguinte. Será que vou poder esperar? Chego a casa dos meus pais destruída, suada, com o choro engasgado na garganta. Olho nos olhos assustados do meu marido, não consigo me conter. Choramos abraçados. Nosso pior medo ali de frente para nós.
Chorei muitas e muitas vezes, com meus pais, meus irmãos, meus avós, meus amigos e com os médicos, que neste momento mostravam seu lado mais humano. Chorei todas as noites durante semanas até que um dia resolvi que aquilo também tinha que acabar. Pedi a Deus que falasse comigo e apesar de não ter conseguido ouvir nenhum som, percebi que uma uma força poderosa havia me trazido uma sensação de paz. Entendi que minhas preces tinham sido atendidas naquele momento.
Dali para frente algo mudou fundamentalmente em mim. Onde só havia dúvidas já reinava uma tranquilidade soberana. O medo que tinha me engolido havia dias, aos poucos dava uma trégua e eu sentia que estava cada vez mais forte e cada vez mais pronta para encarar o meu algoz. Por incrível que pareça, há uma sensação de paz quando nos vemos face a face com nossos maiores temores, deve ser nosso instinto de sobrevivência que se manifesta nestas horas e sabemos que só nos resta lutar.
5 comments:
Dani, adoro como vc escreve! Voce pra mim eh um exemplo de coragem e pra um poco (to sem cedilha) de amor e esperanca de onde adoro beber agua, tem sido muito importante pra mim ler seus posts para me lembrar de que de tras de todo diagnostico, de doenca, de aparelhos, papeis, termos, etc. Existe uma pessoa, uma historia, uma familia, muitos amigos e tantos sentimentos! Quero praticar a enfermagem sempre atenta a isso, humanizacao! Te desejo uma otima recuperacao!!! To rezando por vc sempre! Ah! E quando vc lancar seu livro pode ter certeza q eu compro e vou na noite de autografos! Cassia (amiga virtual)
Querida Dani me emocionei muito lendo seu post. Impossivel nao sentir junto a sua dor e acima de tudo a dor do seu pai ao te ver sair da sala de exames. Nada e pior para um pai ou uma mae que ver o sofrimento dos filhos. Que bom que voce seja essa pessoa tao iluminada, cheia de fe e esperanca, creio que e por isso que voce esteja se recuperando tao bem. Tenho certeza que com sua forca voce vai vencer isso tudo e sair desse pesadelo em breve.Continue com as boas vibracoes e sempre mentalizando que voce esta saudavel. Tenho certeza que tem muita gente que precisa de voce e da sua energia positiva.Fique com Deus e com nossas oracoes para que vc se recupere definitivamente.
Bjs
Angeles
Dani, que talento vc tem para colocar em palavras tudo oq vc viveu e está vivendo!
Me emociono a cada post... e por isso vc já está nos meus blogs favoritos!!!
bjocas
Voltei.
Vou continuar rezando por você. Nem sei mais o que dizer, mas tem mais uma pessoa pedindo pro Pai olhar pela sua família todinha (eu), te dar forças e te mandando energias positivas. Tá? Beijos!
Ops, esqueci de deixar meu contato, rs... beijos!!!! Fernanda.
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