January 22, 2009
Screw Cancer Happy Hour
Screw Cancer Happy Hour, que traduzido para o português quer dizer mais ou menos "Happy Hour do Dane-se o Câncer" é uma iniciativa do Ulman Cancer Fund for Young Adults para reunir adultos jovens que lutaram ou lutam contra a doença. É um conceito novo até mesmo por aqui, mas a idéia é fazer com que estas pessoas jovens, que na maioria dos casos se sentem isoladas, conheçam pessoas da mesma idade que tenham algo muito importante em comum com elas.
Conversando com a minha médica, ela me disse que talvez a American Cancer Society não fosse a organização ideal para mim, uma vez que a faixa etária por lá é de 60 anos para cima, sendo assim os tópicos de discussão e preocupações dos participantes não me diziam muita coisa. Felizmente eu não tenho osteoporose, minha pressão é baixa e estou longe de ter netos ou bisnetos -- nem mãe sou ainda!!! Então a idéia de conhecer gente jovem que já passou pelos perrengues que eu passei não é ficar se queixando da vida, mas debater temas como fertilidade, emprego, fundo de pensão, plano de saúde, que são muito mais pertinentes à minha faixa etária.
Recebi o convite para o Happy Hour mês passado, mas como estava de viagem marcada para o Brasil no dia seguinte, não pude ir. Resolvi conferir ontem.
Antes de chegar ao local, um bar de um hotel perto da minha casa, resolvi ir ao shopping, pois por conta de um processo judicial que acusa as grandes lojas de departamento de formação de cartel (que surpresa!!!), a maioria delas entrou em acordo e teve que distribuir não sei quantos itens para o público que comprou lá entre 1994 e 2003 ou coisa do tipo. Como não tem como saber quem comprou o que e quando, qualquer um que entrar na fila tem direito a escolher um produto da lista. Eu acabei levando um hidratante facial da Clinique e um serum da Estée Lauder. Nunca usei nenhum dos dois, mas de graça... Hoje experimentei o hidratante pois com a friaca que faz aqui, até a minha pele que é mais que oleosa fica ressecada. Screw cancer, now let's get some make-up!!!
Mas voltando ao happy hour. Infelizmente quando se trata de câncer, a gente tem mesmo é que procurar alguém careca na multidão. E foi assim que achei a Allison, a organizadora do evento que tem 37 anos e tem estágio 4 de câncer no útero e no ovário. Para quem não sabe, não existe estágio 5 da doença... Ela teve câncer de intestino aos 19, a doença voltou no ovário aos 26 e onze anos depois voltou em metástese. Segundo ela, não há mais tratamentos disponíveis, mas ninguém pode dizer a ela quanto tempo ela tem, então ela faz o melhor que pode, vivendo e trabalhando e tentando encontrar a felicidade nas pequenas coisas e nas coisas mais imediatas. Uma lição de vida. Ao lado dela estava a Sara, que graças a Deus não tem câncer, mas é amiga dela de muito tempo.
Do outro lado da Allison estava a Amber, uma menina simpática de cabelos ruivos, que no início tinha o marido ao lado, mas quando o coitado viu que seria o bendito fruto, saiu à francesa. Eles estão casados há dois anos, mas tiveram que adiar o casamento um mês antes da data marcada. Depois de um mal-estar, a Amber recebeu a notícia que teria apenas seis dias de vida. Leucemia aguda e rara. Bom, dois anos já se passaram, eles casaram, estão felizes e a Amber me pareceu ótima. Sem casos de câncer na família, ela, que tem 32 anos, ainda tem seus quatro avós, todos na casa nos 90!
Minutos mais tarde, chega Bethanny, uma menina bonitinha e tímida, de 26 anos. Em junho ela foi operada para a retirada de um angio-sarcoma (acho), um câncer raro que aparece nos vasos sangüíneos e tem uma taxa de sobrevida de 10% em cinco anos. Ela está satisfeita porque na cirurgia os médicos deixaram margens limpas, o que quer dizer que tiraram tudo com bastante segurança. O tumor começou no seio e de início pensava-se que era benigno, mas depois da biópsia, foi confirmada a urgência da cirurgia. Betthany ainda tem lindos cabelos louros. Optou por não fazer químio depois que os médicos disseram que o índice de recidivas era o mesmo entre pacientes que fizeram tratamento ou não. O índice de recidivas é de 90% -- vai viver com um barulho destes! Sei bem disso. Mas ela é zen e apesar de tão novinha está decidida a encarar tudo de frente.
A última a chegar foi a Natalia. Bem-humorada e engraçada ela conta ao grupo como tem sido os últimos meses -- ela descobriu ter um linfoma não-Hodkins folicular e duas semanas depois teve a notícia que sua mãe tinha câncer no pâncreas. Na véspera do seu aniversário de 40 anos os médicos quiseram colocar um catéter para a químio e ela subiu nas tamancas. "Vocês cortaram minhas axilas. Não satisfeitos, abriram meu pescoço para meses depois me dizerem o que todo mundo já sabia, agora querem colocar o cateter no dia do meu aniversário?! Nem pensar! Vou fazer a minha festa, dançar todas e venho aqui no dia seguinte para vocês enfiarem o tal negócio em mim. Passar bem," foi a resposta dela, que agora convive bem com o tal cateter. Então hoje, além de paciente, ela cuida de sua mãe, que está num hospice, ou centro de medicina paliativa. Lição aprendida por Natalia: viva um dia de cada vez. "Tenho sorte de ter tido a minha mãe em minha vida e estou decidida a aproveitar a presença dela e aprender com esta mulher fascinante o máximo que eu puder, enquanto eu puder," ela diz.
E por último neste círculo, que poderia ser chamado por muitos, uma roda de horrores, esta que vos fala: brasileira, casada há pouco, duas cirurgias de câncer de fígado, mas hoje saudável e feliz. "Fígado? Uau!", é o comentário das minhas novas amigas da mesa... "Sempre escutei falar que quando ele chegava no fígado era o fim," diz outra. "Pois é, eu também... Mas quando ele começa lá e é pego no início por médicos competentes, felizmente a história é outra. Amém!," respondi. A freak no meio das freaks!
Acreditem se quiser, mas a noite foi muito agradável. Falamos dos nossos tratamentos, dos perrengues que passamos, das enfermeiras desumanas, dos médicos, às vezes geniais, às vezes imbecis completos e das pessoas que nos cercam. Temos, sem dúvida, muito em comum. É raro poder conversar com mulheres da minha idade que entendam de maquiagem e tomografia computadorizada... O segredo é equilibrar o bate-papo, que vai do fúnebre ao engraçado em questões de segundo.
Quando cheguei em casa e contei ao Blake sobre o happy hour, ele olhou assustado e me perguntou: "Então foi bom ou ruim? Pois esta turma de hoje parece da pesada..." Eu ri e disse que tinha sido muito bom.
Coversar com as meninas me fez mais uma vez realizar o quanto sou feliz, o quanto sou sortuda. A doença que tive por mais terrível que tenha sido, teve tratamento. Tratamento que sempre esteve à minha disposição, pois a minha família sempre teve condições de pagar e sempre tive acesso a médicos que me viram como ser humano jovem e cheio de planos que sou, não como um paciente complicado que tem que se contentar com uma sobrevida qualquer. Pessoas que entendem que eu quero viver como todo mundo, que quero ter filhos e ficar velhinha para ver meus netos. Tenho junto a mim gente que me apoia na decisão de seguir em frente e ao menos tentar. Tenho sorte de ter uma família que sempre me deu todo o amor e me ofereceu suporte e carinho quando mais precisei. Sou muito sortuda por ter amigos que me apoiaram sempre e estiveram ao meu lado nos momentos bons e ruins. E tenho muita, muita, muita sorte de encontrado no meio de tanta confusão um verdadeiro anjo que Deus fez meu marido e que está sempre comigo a cada passo desta minha jornada.
Conversar com elas foi uma catarse, mas o melhor da noite foi chegar em casa e não estar sozinha, um luxo que nem todo mundo pode ter. O pessoal está combinando uma saída a noite para que a gente realmente possa rir um pouco. Alguém sugeriu um bingo drag. Pareceu uma boa idéia...
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3 comments:
Que legal Dani, o encontro parece ter sido ótimo! E falando em careca, finalmente o Rodolfo deixou raspar sua cabeça!!! Depois te mando uma fotinho dele!!!
bjs
Eu que jah te falei isso antes, mas adoro ler seus textos.
Voce deveria entrar na onda dos americanos e virar motivational speaker!
Hahahahahah!
Eh serio!
Voce consegue mostrar o lado da vida "normal" de uma doenca tao ingrata.
Sei lah, adoro e pronto!
E pensar na quantidade de gente que conheco que tem uma vida "perfeita" e vive reclamando pelos cantos...
Sua historia eh uma licao de vida, e sempre que venho aqui no seu blog torco muito pra que todos seus sonhos e aspiracoes virem realidade jah jah, e durem muitas e muitas decadas!
Bjs
Dri
Dani & Dri,
São comentários como os de vocês que me fazem manter o blog. Já perdi a conta de quantas vezes briguei com os meus pais que não querem mais me ver escrevendo sobre doença... Às vezes até eu mesma penso em enterrar isto, mas acho que virar as costas para pessoas que vivem momentos difíceis seria como virar as costas para mim mesma.
Beijos e obrigada pela força!
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