Continuando no tema -- o que fazer ao lidar com um histórico de saúde complicado -- achei interessante abordar o tema no trabalho. Sim, pois a primeira reação de qualquer um é "NÃO CONTE PARA NINGUÉM, EM HIPÓTESE ALGUMA, NEM SOB TORTURA." Mas será que isto é mesmo possível? Como apagar com episódio destes da vida assim, sem mais nem menos?
Quando tive que fazer a primeira cirurgia, a coisa desenrolou mais ou menos assim. Comecei a fazer uns exames de sangue para minha lipo ainda nos EUA, continuei a investigar no Brasil depois de um episódio de sangramento excessivo (ou terá sido uma hemorragia?) no dentista, até que cheguei a fazer um exame de sangue que constatou uma alteração enorme no meu perfil hepático. Corri para a hematologista, para o clínico geral, mas até aí não fazia idéia da gravidade do quadro. Finalmente a hematologista disse que estava me mandando para uma gastro e que a consulta era no dia seguinte. Fomos lá, ela pediu uma ultrassonogradia de abdomen e o resto da história todo mundo sabe.
Ela também me indicou um cirurgião-oncologista do INCA que deveria me operar. Para minha sorte (sempre ela!), meus pais tem vários amigos médicos e no lançamento do livro de um deles, que também é do INCA, meu pai encontrou outro amigo de muitos anos, que também era gastro, e este amigo foi incisivo ao dizer que no Rio só havia uma pessoa que poderia me operar, o Dr. Joaquim Ribeiro.
Ao mesmo tempo, uma outra amiga que era dentista da aeronáutica também se informava sobre meu caso com os médicos de lá. Foi até o chefe do hospital, que pediu para me ver imediatamente. Ele era cardiologista, mas entendeu que o meu caso era tão urgente que quis me ver na hora. "Este tumor é grave e pode estourar aa qualquer momento," disse ele, sem querer me alarmar, mas cme colocando a par da gravidade do meu quadro. Vou ligar para um médico e ver se ele te atende até amanhã. E ligou, na minha frente. E o Dr. Henrique Sergio, que não atendia às sextas, prontamente se colocou à minha disposição.
Enquanto isto, o Dr. Gastão, o amigo de anos dos meus pais, marcou consulta com o Dr. Joaquim, o cirurgião.
Claro que ficamos confusos com tantas informações, mas nestas horas tempo é fator crucial e na mesma sexta-feira encontramos o médico do INCA, o Dr. Henrique Sergio e o Dr. Joaquim. Depois ficamos sabendo que o Dr. Henrique era o clínico do Fundão que trabalhava com o Dr. Joaquim e o ciclo se fechou. Decidimos operar com a equipe da UFRJ.
Mas voltando ao trabalho, na quinta, véspera das consultas, pedi o dia ao meu chefe e amigo, que na hora me liberou sem problemas. Depois de ouvir as notícias na sexta, na segunda voltei ao trabalho e joguei a bomba "Oi Marco, preciso falar com você. Não poder vir trabalhar amanhã, nem depois e não sei quando volto." Expliquei a ele tudo que sabia e ele, chocado e extremamente compreensivo ao mesmo tempo, disse: "Não se preocupe, seu lugar vai ficar guardado, pois este emprego é seu. Vamos esperar o quanto for necessário. Vá tranqüila e até a volta," foi a resposta dele.
E para minha sorte, foi a postura da empresa, que me deu todo o apoio num momento tão difícil. Por incrível que pareça, casos de câncer não eram raros por lá. A diretora de RH, que tinha sobrevivido a um terrível câncer de mama, foi uma verdadeira mãe para mim, sensível e forte, sabia exatamente o que eu estava passando. "Já tivemos muitos casos aqui," ela me disse depois que voltei da cirurgia, "mas ninguém morre!" Ela continuou, "Faça tudo que tiver que fazer para se recuperar. O foco agora é em você, todo o resto pode esperar." E foi assim que a empresa me esperou por dois meses e meio e me acompanhou de perto no hospital, onde vários colegas de trabalho me visitavam todos os dias.
Eles foram extremamente compreensivos comigo, acomodando meus horários de consultas médicas e quimioterapia. O tipo específico que eu fiz, quimioembolização, requer menos sessões, mas o paciente fica internado mais ou menos 24 horas, então eu faltava ao trabalho no dia e no dia seguinte ia direto para lá, sem sintomas e sem drama, graças a Deus.
Mas se tudo corria bem, a minha vida aos poucos voltava ao normal e a minha inquietude voltava a aparecer. Queria alçar novos vôos, queria achar um emprego que me desafiasse mais. E foi assim olhando o jornal sem nehuma pretenção que vi uma anúncio para uma vaga no Consulado Britânico e resolvi me candidatar. Estranhamente, uma amigo viu a mesma vaga e me mandou um email cujo assunto dizia "este é a sua cara". E era mesmo, tanto era que eu decidi mandar meu CV.
Já havia passado um ano da cirurgia e para comemorar a data, decidi ir com uma amiga para um spa em Búzios. Ela também estava celebrando o primeiro aniversário das mastectomia, então fomos as duas juntas cuidar da nossa saúde. Para minha surpresa, ao checar as minhas mensagens no celular, vejo uma do Consulado. Ligo para eles e digo que infelizmente não vou poder comparecer a entrevista já que estou fora do Rio. Eles me oferecem outra data e eu aceito.
Bom, resumindo, acabei aceitando a oferta que resultou em três anos e meio no melhor emprego do mundo com os chefes mais legais do planeta e muitas viagens fascinantes. Meu amigo estava certo, o emprego era mesmo a minha cara! E eu havia me preparado para ele há tanto tempo, tendo estudado e vivido nos EUA, afiando meu inglês e meus conhecimentos de marketing... Enfim, casamento perfeito.
Óbvio que durante a entrevista não falei de desgraça, mas acho que deizei escapar que conhecia bastante do setor de saúde, infelizmente na condição de paciente... Eles não me perguntaram nada e nem eu elaborei meu raciocínio. Mas aos poucos revelei minha história, pois ia precisar da compreensão dos meus superiores para continuar meus exames trimestrais, que depois se tornaram semestrais. Eles entenderam perfeitamente e ponto final.
E o tempo foi passando e os exames foram ficando menos freqüentes e quando viraram anuais just in case...um novo tumor foi descoberto! Mais de cinco anos depois do primeiro. Ninguém merece uma coisa destas, muito menos eu, que nunca fumei, bebi ou fiz nada de errado.
A recidiva é triste, não só pela sensação de fracasso e de medo mas pela certeza da volta a um lugar terrível que todos querem esquecer. Não estou falando da dor física, que pode ser enorme e insuportável, mas da tortura mental e do trauma, que certamente acompanham aqueles que enfrentam esta situação.
No meu caso, acabei tendo que sair do meu emprego que era relativamente novo. Não foi fácil, depois de finalmente estabelecer alguma rotina aqui, tive que voltar a estca zero. Foi complicado sair, mas mais complicado ainda seria encontrar um novo lugar, depois de apenas três meses no emprego anterior. Nas entrevistas o que seria dito? O que seria perguntado? Como eu ia me sair desta mega-saia justa?
Mais uma vez, todo mundo dizia para não tocar no assunto, inclusive a minha ex-chefe, que dizia que iria me dar cobertura no que eu quisesse inventar: problemas pessoais, doença na família, etc...
Só há um grande problema: sou péssima mentirosa! Fico nervosa, me engasgo e no final acabo contando a verdade. Como entrevista já é um momento tenso, me decidi por não mentir. Obviamente não iria contar de cara o motivo, mas se surgisse a pergunta, tentaria ser o mais vaga possível, mas ainda assim contaria a verdade.
E assim foi e acabei indo trabalhar num departamento da Escola de Medicina da Universidade de Maryland que justamente educa a população de baixa-renda sobre programas de prevenção e tratamento ao câncer. E é lá que estou até hoje. E cada folheto que produzo, cada discurso que escrevo, cada press release que eu mando, tem um pouquinho de mim e da minha história, mesmo que isto não seja óbvio. Quando escrevo pedindo que a Assembléia de Maryland passe medidas urgentes que reformem este sistema de saúde tão injusto e caquético, vai um pouco de mim ali. Mesmo que as palavras saiam dos lábios de políticos ou acadêmicos, os meus sentimentos estão ali, e de certa forma isto me dá grande satisfação.
Quando conto a minha história a alguém que atravessa problemas semelhantes aos que já passei, a mensagem é de urgência e de esperança -- há solução, mas a doença não espera. Então de certa forma, acho que sou a pessoa certa no lugar certo na hora certa. Não sei quanto tempo vou estar lá (meu trabalho é um stress só por outros motivos), mas enquanto estiver quero ter a consciência tranqüila de que estou dando o melhor de mim.
Meu conselho àqueles que jovens ou nem tanto passam por situação semelhante é dizer a verdade sempre. Há coisas na vida que são imutáveis e marcas que vamos levar conosco para sempre. Não vale a pena se perguntar se isto é bom ou ruim. É o que é. Acho que por mais dolorosa que tenha sido a minha experiência, ela faz parte de mim e me faz ser quem eu sou. Não quero ser vista como a menina doentinha ou como heroína, só quero que me respeitem como sou. E não é pedir demais. A grande maioria dos mortais vai entender isto perfeitamente.
A doença ficou no passado, mas as lições vou levar comigo para sempre. E isto é bom, muito bom.
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