August 25, 2008

Acesso à saúde


Das maiores injustiças do mundo está a doença. Ela não escolhe hora para chegar nem vítima para atacar. Um dia se está bem e saudável, outro dia se luta contra a morte. Nada me parece mais injusto, mais covarde.

Aliás só há algo mais covarde que a doença: a falta de acesso à saúde, que em teoria é um direito de todos e não um privilégio. Mas na verdade este direito não é universal e perversamente é negado àqueles que mais precisam: os mais pobres, os mais frágeis, os mais velhos, os mais jovens, os negros, os mestiços e os que moram longe dos grandes centros urbanos.

Isto me incomoda profundamente, me afronta. Cada vez que escuto um caso de alguém que morreu esperando atendimento ou um paciente que aguarda cirurgia enquanto sua saúde se deteriora, sinto uma pontada no coração. Sei que isto não me faz diferente de nenhum ser humano decente, mas acho que em mim isto têm um significado maior, pois sei o que é estar naquela posição de perplexidade, de impotência, mas não imagino o que é precisar de cuidado e não ter. Por que eu tive tudo a tempo e a hora e outros não têm?

Não tenho o que muitos chamam de "survivor's guilt" ou complexo de culpa do sobrevivente, mas me revolta saber que tantos não vão ter a sorte que eu tive. Acho que o problema esta bem aí, saúde não deveria ser uma questão de "sorte", deveria ser direito assegurado a todos.

Não sei o que as autoridades estão fazendo no Brasil, fora colocar na cadeia pessoas inocentes e impedir que médicos possam salvar a vida de pacientes em estado grave, mas felizmente aos poucos vou me inteirando do que acontece por aqui. E graças a Deus, pelo menos aqui em Maryland, as coisas são diferentes.

Sempre soube que saúde era uma questão muito delicada nos EUA, um paradoxo numa potência mundial onde não existe cobertura universal. Agora vejo isto tudo muito de perto, em primeira mão, e me convenço de que o Rio e Baltimore têm muito em comum, uma população pobre e desassistida, violência e miséria. Em muitos aspectos, Baltimore é uma cidade de terceiro mundo, muito semelhante ao Rio, São Paulo ou Salvador.

Se no Rio, escuto algumas histórias tristes, aqui em Baltimore, tenho números e estatísticas que ilustram um quadro deprimente e expõem a fragilidade do sistema de saúde norte-americano.

Por incrível que pareça, um homem negro nascido em Washington, DC, capital dos EUA, tem uma expectativa de vida 57.9 anos -- menor do que os homens nascidos em Ghana (58.3 anos), Bangladesh (58.1 anos) ou na Bolívia (59.8 anos). Em compensação, uma mulher de ascendência asiática nascida em Westchester County (subúrbios ricos fora de Nova York), pode esperar viver em média 90.3 anos.

O meu novo emprego no Departamento de Políticas e Planejamento na Escola de Medicina, se propõe acabar com estas disparidades, facilitando o acesso das minorias à saúde, oferecendo programas desenvolvidos especificamente para estas comunidades negras, latinas, indígenas e rurais, levando em consideração as barreiras geográficas, culturais e lingüísticas. Tenho certeza que será uma experiência inesquecível e que vai me abrir os horizontes de uma forma assustadora. Se no Brasil, faço parte da "maioria", aqui nos EUA, sou latina (com muito orgulho!) e questões como esta assumem uma dimensão completamente diferente para mim.

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