May 4, 2008

Proximidade da Morte

Me parece extremamente injusto que algumas pessoas tenham que tomar ciência da morte antes mesmo de poderem entender do que se trata a vida.

A morte não deveria sequer fazer parte do vocabulário de uma pessoa com menos de 50 anos. Doença, hospital, quimioterapia, transfusão, transplante...nada disso deveria ocupar os pensamentos de um jovem.

Está na Bíblia, "crescei e multiplicai-vos", então é somente este o desejo de 99% da população humana. Este é o plano de vôo de qualquer um de nós. E temos a certeza absoluta de que se deixarmos a vida seguir seu próprio rumo vamos conseguir que isso aconteça sem o menos esforço.

Talvez aconteça para a maioria de nós, mas não para todos. Alguns aprendem cedo demais que a única coisa certa na vida é a morte e que às vezes paga-se um preço muito alto para viver. Vida nem sempre é sinônimo de alegria. Muitas vezes viver dói. Viver pode ser também apavorante e extremamente solitário, mas faz parte do instinto humano. Por mais dura que a vida possa ser, ninguém parece estar pronto para desistir dela.

Quando somos acometidos por uma doença grave a parte mais dolorosa talvez seja a aceitação da nossa própria vulnerabilidade, da fragilidade da nossa vida. É a perda da inocência; a realização de que tudo é efêmero.

Logo depois de ter alta do hospital, no final de 2002, os médicos recomendaram que eu começasse a caminhar um pouco pelas dependências do meu prédio. Precisava recuperar minhas forças e minha capacidade aeróbica depois de um mês de internação.

Eu ainda andava bastante encurvada por conta da grande cicatriz que me tomava a maior parte do abdome. Sentia dor e medo, então andava pelo play com todo cuidado, observando e sendo observada. Foi ali, naquele dia de verão ensolarado que vi todas as minhas certezas desmoronarem. Vi casais na piscina e me lembrei que ainda não tinha encontrado a minha cara-metade e não sabia se ainda me restava tempo para isso. Vi as crianças nadando e correndo, então me perguntei se algum dia teria o privilégio de formar a minha própria família, de ter meus próprios filhos. Avistei casais mais velhos de mão dadas, apoiados um no outro, andando em direção ao elevador e naquela hora perguntei a mim mesma quais seriam as minha chances de um dia viver aquela situação.

Cenas extremamente normais que teoricamente fariam parte da vida de qualquer simples mortal. Tudo tão ordinário e rotineiro que a maioria das pessoas acharia completamente banal. Mas não para mim. Fechei meus olhos e procurei me imaginar vivendo cada um daqueles momentos e naquela hora pedi a Deus que deixasse que meu desejos se transformassem em realidade.

Naquela hora, ciente da minha mortalidade, todas as certezas que havia cultivado dentro de mim, tornavam-se dúvidas. Tudo que eu achava que era meu por direito, agora estava em questão. A única certeza que tive aquela hora era de que a morte viria. Meu único pedido: não agora. Quero viver para me casar. Quero viver para ter meus filhos. Quero viver para ser feliz e envelhecer ao lado do meu marido. Não quero muito. Só quero viver.

2 comments:

Anonymous said...

Dani,
Sempre passo por aqui, mas nunca tive coragem de deixar meu depoimento. Lendo este post ... a coragem apareceu. Tenho 33 anos, uma filhinha de dois anos e foi exatamente esta sensação que tive enquanto caminhava pelo meu prédio me recuperando da cirurgia para retirada de um câncer no intestino. Há um mês acabei as quimios. Há um mês levo uma vida um pouco mais ordinária. Há algum tempo meu único desejo é viver uma rotina que até bem pouco tempo atrás eu achava sem graça. Hoje só quero envelhecer com meu marido, curtir meus netos e continuar trabalhando pelo próximo. Sou jornalista de um hospital que cura crianças com câncer e o lado bom desta experiência toda é que nunca me senti tão útil e tão abençoada.
Muito bom seu blog.
Beijos
Amanda

Dani said...

Amanda,
Que bom que você resolveu nos dar seu depoimento. Cada uma das histórias que leio por aqui, me mostra que a minha jornada não é tão solitária assim. Cada experiência compartilahda me serve de alento.
Você tem razão, tudo na vida tem um lado positivo. Garanto que não há no mundo mais capaz de fazer seu trabalho no hospital. Você é jornalista como eu então saber que falar pode ser até fácil, mas sentir é muito mais nobre.
Fique com Deus e muita saúde para você. Que tenha muitos e muitos anos saudáveis ao lado de sua filha e de seu marido.
Beijos