May 22, 2009

Manhã Diferente

A manhã de ontem foi bem diferente das manhãs normais na vida das pessoas normais. Como tudo comigo é pelo menos um pouquinho diferente (pois é, não vim mesmo ao mundo a passeio!), já estou acostumada. Coisas que podem causar estranhamento a maioria dos mortais, para mim tornam-se cada vez mais corriqueiras.

Por causa do tempo limitado, vou pular a consulta ao médico (não se preocupem, está tudo bem!) e vou direto ao encontro do Blake e do Todd. Como o Blake vive escutando histórias do Todd e vice-versa, achei que seria bom que os dois se conhecessem. Além disso, o coitado do Todd acaba refém de papo mulherzinha 90% do tempo, já que entre a mãe dele, a Elizabeth e eu, o pobre é minoria absoluta. A gente ainda ri do dia que ele retomou a consciência no CTI e, como estava entubado, escrevia num papel "CAP" e agente não entendia de jeito nenhum! Quer chapéu? Está com frio? Cápsula de quê? Até que ele escreveu HOCKEY, só então a gente entendeu que ele queria saber o resultado do jogo! E é claro que a gente não fazia idéia do placar. nestas horas homem faz falta! Assim como o Blake, ele AMA esportes (jogava basquete e futebol americano na escola) e não perde um jogo, então deve sentir falta deste tipo de papo.

Dali pra frente comecei a amadurecer a idéia de levar o Blake para vistá-lo. Primeiro obviamente perguntei aos dois, que mostraram-se receptivos, e ontem como o Blake veio almoçar comigo aqui, coloquei o plano em prática.

O Todd estava sozinho no quarto quando chegamos. Colocamos os aventais amerelos e as luvas azuis e entramos. Fiz as apresentações e é claro que puxei a conversa. A minha idéia era promover um encontro rápido para que os dois se conhecessem e depois, num segundo momento, deixá-los juntos por mais tempo. Estas coisas não acontecem do dia para noite, relacionamentos tem que ser construídos aos poucos. Já vi isto de perto.

O bacana foi que o Blake leu um livro escrito por um médico que conta a história de alguns pacientes e um dos casos era muito parecido com o do Todd, então o Blake já estava mais familiarizado com a doença e sabia o que esperar.

Quem nunca entrou em contato com um paciente transplantado de medula leva um choque. Não tem como, o quadro é triste e estes pacientes estão extremamente doentes e debilitados. Para mim, a primeira vez foi muito difícil, pois apesar de ter estado doente, nunca me senti assim, nunca me vi daquela forma!

A minha doença era grave, mas era interna, fora a minha cicatriz, não me mudou nada fisicamente, nem na época da cirurgia -- claro que fiquei um pouco abatida -- nem na época do tratmento, que foi mais invasivo, mas menos intenso, acho. O Todd perdeu todo o cabelo, obviamente, e tem manisfestações de GVHD ou DECH na pele, fora um inchaço causado pelos corticóides. Ele pode não ter mais leucemia, mas luta contra todos os efeitos-colaterais e complicações pós-transplante e isto é muito óbvio. Mas para minha supresa, o Blake não me pareceu impressionado e semana que vem o ele vai voltar lá.

Vendo todas estas pessoas e me baseando na minha própria experiência, cada vez mais me convenço de que o nosso corpo é mesmo a nossa casca, pois a pessoa que somos, a alma que existe dentro de nós, permanece intocada. O espírito e o caráter resistem a cirugias invasivas, quimioterapias, tranplantes, radioterapias e tratamentos agressivos. Mais que nunca, vejo que o que realmente importa é o que temos dentro de nós.

Estes últimos meses foram uma verdadeira viagem para mim, uma jornada, que começou ano passado, depois da minha cirurgia. Acho que passei a maior parte de 2008 refém do meu medo e com pena de mim, mas 2009 está sendo diferente. Claro que volta e meia o medo ainda me assombra, mas não tenho mais pena de mim. Também não tenho pena do Todd, da Monica, da Lilian ou dos outros pacientes que conheci. Tenho uma enorme admiração e um profundo carinho por cada um deles. Queria do fundo do meu coração que eles não precisassem passar pelo que estão passando, torço para que tudo acabe bem o mais rápido possível. Acho que a palavra "empatia" traduz melhor meu sentimento em relação a eles, pessoas normais vivendo temporariamente situações completamente anormais.

4 comments:

paula said...

Oi Dani,

Que sorte que você tem em ser casada com um homem como o Blake!!
ótima sua idéia de leva-lo para conhecer o Todd, imagino como ele está se sentindo sozinho, ele tem GVHD de olhos? Acho que ainda é cedo para ele apresentar este problema, eu só comecei a ter com 7 meses de transplante, digo isso, pois acabei de descobrir um colírio MARAVILHOSO, é americano também, como o que já uso, mas o efeito é surpreendente, cada um é cada um, eu nunca tive nenhum outro GVHD, que coisa, não? Talvez porque meu irmão fosse 100% compatível comigo, não sei...
Aquele jogador de futebol brasileiro que te falei também sofreu muito com rejeição, mas hoje em dia está ótimo, e olha que as chances dele eram quae nada!!
Qual o nome do livro que o Blake leu? Vou ver se já foi lançado aqui no Brasil

Bjs,
Paula

Isabella said...

Pois é, né, Dani, e ainda tem tanta gente ligda em aparência. Achando que só isso que conta...

bjs e um bom feriadão

Cristina said...

Lindo o post Dani, mas de curiosidade - quanto tempo eles ficaram falando de jogo? Não sei como conseguem (sou mulherzinha mesmo rsrs)

Dani said...

Isabella,
Quando vejo gente assim me dá vontade de sair correndo. É muita ignorância junta!

Cris,
Devem ter falado uns 5 ou 10 minutos, o papo foi curto porque o time tinha perdido de lavada e os dois tinham desligado a TV no meio do jogo!

Bjs