May 20, 2009

Elizabeth

Uma das coisas mais legais de conversar com a Elizabeth é perceber a naturalidade com qual ela encara a doença, que apesar de não fazer mais parte da vida dela há tempos, será sempre um fantasma.

Conheci a Elizabeth há alguns meses e muito ao contrário do que acontece normalmente comigo a empatia não foi imediata. Ela me pareceu mais um rosto na multidão. Notei que havia algo diferente no rosto dela, uma cicatriz pertto da boca, achei que poderia ter sido um acidente de carro ou até mesmo câncer, mas não fiz perguntas. O Brock, que é o diretor do Ulman Fund nos apresentou e nos disse que ela era assitente social deles e que era responsável pelo "Patient Navigation Program" no Hospital de Universidade de Maryland, que fica aqui no campus. Trocamos uma palvrinha rápida, ela disse que ia me ligar. O tempo passou e nada.

Depois convidei-os para uma recepção aqui na Faculdade e eles vieram. Desta vez conversei mais com a Elizabeth, ela se desculpu pelo sumiço e disse que me ligaria. E me ligou. Marcamos um almoço no hospital.

Durante o almoço, ela me contou um pouco do trabalho dela e com muita naturalidade, explicou que a cicatriz no rosto era resultado de várias cirurgias que ela tinha feito para remover um tumor, quando ela tinha oito anos. De lá pra cá, ela levava uma vida normal, fazendo acompanhamento e tomografias periódicas. Ela me explicou que no caso dela, o perigo da recidiva é o que menos preocupa. O maior medo são os potenciais efeitos que a quimioterapia pode ter deixado -- a longo prazo estes efeitos são desconhecidos e agora desconfia-se que a exposição às drogas pode levar a formação de novos tumores mais de 25 depois do tratamento!

Ela me conta que tinha um amigo que teve o mesmo tipo de câncer que ela, foi tratado no mesmo lugar e era um adulto mais que saudável. Até que ele começou a sentir dores na coluna. No início achoou que as dores pudessem ter sido causadas pelas maratonas e triatlos que ele participava. No final, descobriram que ele tinha um tumor na face que tinha espalhado para a coluna. Apesar de muitas tentativas, ele partiu meses depois.

Me impressiona a naturalidade com a qual a Elizabeth relata o caso. Ao contrário do que acontence comigo e com muita gente, ela diz que adora fazer tomografias e exames, que para ela são a certeza de que está tudo bem.

Também ao contrário de mim e da maioria das pessoas que conheço, Elizabeth é a primeira a admitir que não sabe o que é viver sem câncer. "Nunca tive uma vida antes do câncer para poder ter uma vida depois dele. Praticamente, desde que me entendo por gente, vivo em hospitais, consultórios médicos e laboratórios. Para mim é tudo normal. Me sinto bem aqui, estar neste ambiente me traz um pouco de conforto," ela explica.

Nunca tinha pensado desta forma. A minha mãe é que volta e meia, quando nota que estou com medo, me diz que pelo menos eu sei o que está acontecendo comigo. "Já pensou que tem um monte de gente andando por aí com tumor na cabeça, na barriga e quando vai perceber já é tarde demais? Você pelo menos sabe que está sendo bem acompanhada," ela tenta me animar.

Devo ser covarde mesmo, pois ainda assim confesso que morro de medo do que podem encontrar nestes exames. Ao contrário da Elizabeth, exames não me trazem consolo, hospitais não me trazem paz. Talvez seja porque no meu caso, tudo está muito fresco, as lembraças são vívidas demais. A recidiva, sim a maldita, faz isto com a gente. É o tal tapa na cara ao qual a mãe do Todd se referiu. Cheguei a escutar a voz da doença zombando de mim. "Achou que pudesse me vencer? Pensou que pudesse me enganar? Pois é, voltei e agora vou botar você no seu lugar!"

Não quero vencer nada, não quero medir forças nem competir com coisa nenhuma. Só quero viver a minha vida da forma mais normal possível. Será que é pedir demais?

O tempo inteiro fico fazendo tratos comigo mesma. De vez em quando boto Deus no meio e faço mil promessas. Decidi também que vou acreditar no Dr. Joaquim, que diz que a segunda cirurgia foi para tirar o resquício que ficou da primeira. Não gosto da palavra recidiva. Não gosto da categoria que ela me insere. Uma vez me disseram que se a doença volta, ela nunca mais vai te largar. Não sei se tal informação tem embasamento científico, também não vou procurar saber. Claro que vou continuar o acompanhamento para sempre mas preciso deixar o medo de lado, pois tais exames farão para sempre parte da minha vida, quer eu queira ou não.

É por estas e outras que gosto muito de conversar com a Elizabeth, pois além do conhecimento acadêmico e da vivência profissional dela, ela me passa muito otimismo e muita coragem, e acima de tudo, de uma forma muito natural. Quem sabe um dia também chego lá?

1 comment:

Isabella said...

Curiosa mesmo essa maneira dela encarar a vida e o fato de ter lidado com o câncer por tanto tempo.

Acho que isso se aplicaria bem a quem tem depressão, crônica ou não. Só mesmo quem eve pra entender...

Bjs