February 27, 2008

Morbidez

Ontem, depois de falar com a secretária do Dr. Machael Choti, fui olhar as minhas coisas e separar o material para ser enviado por fax ao médico hoje. Imaginem vocês que tenho mais de cinco anos de história médica deste maldito tumor: exames de sangue, que na maior parte das vezes nada acusam, imagens que mascaram o bandido na minha barriga, relatórios médicos superdetalhados, outras imagens onde o bandido mostra a cara, o próprio bandido em pedacinhos guardado em potinhos de plástico e mais microfatias do bandido conservadas em parafina. Material é o que não falta. Mas pouco pode ser enviado por fax!

Depois de olhar tudo cuidadosamente, cheguei à conclusão que nesta parte inicial deveria me limitar a mandar o relatório da segunda cirurgia, que já está em inglês, e o resultado da última biópsia. Quero que o médico de Hopkins veja todo o resto, mas acho que vou me limitar a isso para não assustá-lo.

Se o relatório médico já está escrito em inglês e foi feito na minha frente, o laudo da biópsia está todo em português e para dizer a verdade só fui entendê-lo realmente ontem à noite, pois a linguagem médica pode ser mais complicada do que qualquer língua estrangeira.

Foi ontem que entendi a alegria dos médicos quando viram o termo "ausênsia de neoplasia..." várias vezes no laudo. Neoplasia quer dizer proliferação anormal das células num órgão ou tecido que forma o neoplasma, também conhecido como TUMOR. Então o que o laudo dizia, para alegria geral da nação, é que nos linfonodos não existia formação tumoral, ou seja, NÃO HOUVE METÁSTESE. Ufa, excelente notícia!

Pesquisei muito mais ainda nestes sites, pois palavras como "linfonodos coledococianos", "parênquima pardacento", "tabernáculas ou maciços dispostos em traves fibrosas" realmente não fazem parte do vocabulário de alguém leigo como eu. Então eu ia aproximando a palavra do idioma inglês, colocando no Google e vendo se a fonte em questão era confiável. (Aprendi este truque quando tive que fazer uma tradução dificílima de uma Due Diligence que a Mitsui fez na Vale!)

Mas estas pesquisas em sites médicos são extremamente assustadoras e traduzir a própria biópsia tem um grau de morbidez enorme. Depois de visitar trocentos sites cada um mais horripilante que o outro, lembrei exatamente o motivo que me faz ter horror a este tipo de site. Cada vez que leio sobre o tal do HCC fibrolamelar me sinto um ET.

Num dos textos que li ontem, o autor estava bastante otimista, pois nos casos de fibrolamelar há pacientes que chegaram a ter uma sobrevida (êta palavrinha ridícula!!!) de até 14 anos!!! Entenderam bem: 14 ANOS!!! E isso é motivo para comemorar... Pena que não posso estourar uma taça de champanhe... A pergunta que não quer calar é se devo contar a partir dos meus 28 ou 34 anos. Se for a partir dos 34, pelo menos chego aos meus 48 anos, um pouco mais da metada da expectativa de vida em países desenvolvidos como o Japão. Se for a partir dos 28, já queimei mais de um terço do tempo que me resta. Mas em qualquer uma das hipóteses, tempo é um luxo que não tenho, então não vou perdê-lo com previsões bobas!

Óbvio que fico assustada toda vez que leio estas coisas. Se o ser humano não suporta a idéia da morte, imagina saber que tem um "prazo de validade." Me faz lembrar aquele filme do Brad Pitt, "Meet Joe Black", que no Brasil acho que recebeu o título de "Encontro Marcado." Por mais lindo que o Brad Pitt possa ser, se a morte tiver a cara dele, me contento ficando a quilômetros de distância.

Passado o susto inicial -- vou ter que aprender a ficar imune a este tipo de coisa! -- continuei lendo os artigos sobre o HCC e meu caso é muito, muito estranho. De acordo com todos os médicos, o tumor é muito agressivo (daí o alto índice de mortalidade) e a taxa de reincidência varia entre 42 e 100%, principalmente nos primeiros 12 ou 18 meses, então juntem as peças comigo e tentem me explicar.

1. Na hipótese do tumor ser vestígio da outra cirurgia -- Se ele é tão agressivo, como sobrevivi com ele na minha barriga, praticamente imperceptível e assintomático, por mais de cinco anos?

2. Na hipótese de ser novo -- Se as recidivas ocorrem até os primeiros 18 meses, como este troço veio do nada depois de mais de cinco anos?

Cada vez mais me convenço que NADA, absolutamente NADA, na minha vida pode ser normal, nem mesmo o diagnóstico de uma doença covarde como esta! O que neste caso é muito bom, pois estou aqui vivinha e de bem com a vida. Pensando bem acho que o primeiro passo para minha felicidade é entender que o meu maior pedido foi atendido: sempre tive horror das coisas "ordinárias" e ansiei por ser única, diferente.

O resultado está aí: uma caminhada sinuosa, acidentada, mas muito rica e só minha. Como gosto tanto desta caminhada, por mais que às vezes ela me enlouqueça, vou continuar seguindo a estrada menos viajada, pois como disse o poeta, isto fez toda a diferença!

2 comments:

Anonymous said...

Acho que há coisas que só Ele Lá em Cima pode explicar. E se Ele quis que vc estivesse aí hoje, vivinha e feliz, é porque você vai passar qualquer barreira de tempo e previsão, porque seu histórico é único, assim como você. Acredita em milagre? Então, quando tiver lá com uns 80 anos e com os netos, você conta essa história pra eles acreditarem também ;) Eu acredito. Fica bem, querida.

Andréa said...

Adoro tuas opinioes e medos, sempre tudo muito claro na escrita, e exposto sem vergonha aqui no blog pra quem quiser ler. ADORO! A tua atitude esta certissima, e lembre-se do que falei outro dia: ninguem eh normal. A gente soh acha que sim. Aqueles termos doidos sao uma ideia otima pra xingar, nao sao? Fiquei viajando aqui, hehe. E diferente da minha querida Fe Franca, eu nao acho que "Ele la em cima" queira ou nao queira isso pra voce. Ele nao seria justo se fosse assim. Eu penso que karmas sao muito mais complicados do que a gente gostaria e que os motivos que levaram vc a passar por essas coisas sao muito mais misteriosos do que uma simples explicacao como aquela sobre "Ele". Espero e acredito que um dia, sabe la quantas vidas no futuro, seremos informados de como a coisa toda acontece, mas por enquanto nao entenderiamos, mesmo que tentassem nos explicar. Acho importante vc pesquisar e tentar entender a doenca ao maximo, eu faria o mesmo, mas mantenha sempre a esperanca acesa, Dani, e a certeza de que cada um eh cada um e milagres acontecem sim, como a Fe tambem falou. Milagres pequenos e grandes acontecem todo dia, em todo lugar. Faca um acontecer com a forca do proprio pensamento e atitude. Vc pode. Tenho certeza absoluta disso. Beijos.