Esta é uma relação pra lá de importante, mas não fazemos muita idéia até nos tormarmos "pacientes profissionais", um termo que inventei para uma médica americana e ela adorou. Paciente profissional para mim é qualquer um que ao visitar o médico uma vez já tenha que deixar agendada a consulta para o próximo ano. Paciente profissional é aquele que vai ao médico só para saber que não tem nada e que sai de lá dando pulos de alegria, ao contrário da maioria dos mortais que não fica satisfeita se o médico não receitar nem que seja um remedinho...
Os pacientes normais estão mais preocupados com as outras relações que ocupam lugar importante em suas vidas: relação com a família, relação com o chefe, com os colegas de trabalho, com os vizinhos ou com quem quer que seja, afinal só vêem a cara do médico esporadicamente, ao contrário dos pacientes profissionais que sabem que t6em quase um casamento com o médico, que muitas vezes os irá acompanhar a vida toda.
E como em todo casamento um ingrediente é fundamental nesta relação: a confiança. Na relação paciente-médico ela ocupa um lugar ainda mais importante, pois pode significar vida ou morte em casos mais graves.
Infelizmente nem todos os médicos são iguais e muitas vezes achar o médico perfeito, assim como achar a cara-metade, acaba sendo questão de sorte. Mas não pode, pois se nunca é tarde para ser feliz, pode ser tarde demais parar se manter vivo, principalmente quando o assunto é câncer, uma doença maligna que se espalha pelo corpo humano às vezes com uma velocidade assustadora. Nestas horas, cada minuto conta e muito.
O meu problema com alguns médicos é que eles gostam de brincar de Deus. Não sei o que acontece, mas parecem que se esquecem do tal juramento de Hipocrátes e acabam usando os pacientes e conseqüentemente suas vidas para satisfazer as próprias vaidades absurdas.
O meu problema com estes médicos -- que graças a Deus não são todos -- é a impossibilidade que eles têm em dizer só duas palavrinhas "não sei", o que é perfeitamente normal e aceitável para a maioria dos seres humanos, para alguns médicos parece ser palavrão. Não há nada demais em admitir o não saber, especialmente se isto for ajudar o paciente a encontrar alguém que saiba e o possa ajudar de forma mais rápida. "Não sei", "não posso operar, mas sei quem possa". É só isso que um paciente que luta desesperadamente gostaria de ouvir, mas em vez disso, muitas vezes é inundado por promessas vazias e falsas esperanças que comprometem seriamente sua sobrevivência. É duro saber que a diferença entre viver e morrer às vezes fica presa em meio a vaidades e politicagens. É injusto! É criminoso!
E são justamente os mais necessitados e desassistidos que acabam pagando por isto, pois não têm condições de financiar tratamentos caríssimos, não têm como arcar com outra consulta cara para oiuvir uma segunda opinião, e acabam ficando nas mãos de médicos egoístas e irresponsáveis.
Muitas vezes a única solução é acionar a justiça, mas convenhamos que para quem está em situação gravíssima esta pode ser uma solução um tanto quanto inverossímil. Quantos pacientes que mal podem sair da cama têm como apelar para o Ministério Público? (Sim, pois se não podem se tratar, certamente não têm condições financeiras de contratar um advogado.)
Inverossímil e improvável, mas não impossível, como provou Lília Maria de Souza Borges, uma jovem de 23 anos que morria de câncer no fígado e garantiu na justiça não só o direito de ser operada mas também escolher a equipe que realizaria o transplante que salvou sua vida há pouco mais de dez dias. Mérito dela, que com apenas 23 anos e de saúde mais que debilitada não desistiu. Lutou até o final e venceu. Se a Lília venceu a burocracia brasileira, o câncer para ela é fichinha! Depois de ganhar um fígado novo e tirar um tumor de 7 kg do abdomem, Lília tem tudo para viver uma vida absolutamente normal. Ela, mais do que ninguém, merece isso.
Não a conheço pessoalmente, mas adoraria encontrá-la parar dar um abraço apertado nela e dizer que ela é exemplo de coragem para todos nós. Lília é brasileira das boas, não desiste nunca.
Além de um tumor que tínhamos no fígado, a Lília e eu temos outras coisas em comum. Crescemos no mesmo bairro na Zona Norte do Rio, onde meus tios e avós ainda moram, e tivemos a sorte (em meio a falta dela!) de cair nas mãos mais que competentes do Dr. Joaquim Robeiro, da UFRJ, que me operou com grande sucesso as duas vezes e também salvou a vida da Lília.
No meu caso, no caso ainda mais dramático da Lília e em muitos outros casos, a diferença entre vida e morte pode estar na escolha de um médico capacitado para fazer esta cirurgia extremamente delicada. Nós duas tivemos muita sorte. A Lília então fez acontecer a sua sorte ao jamais desistir de lutar pelos seus direitos. Mas quantos pacientes infelizmente não tem o mesmo destino por diversos motivos?
É por estas e outras que um estatuto que venha garantir os direitos de jovens mortadores de câncer é essencial para que os direitos de todos os pacientes, não só os meus ou os da Lília, sejam sempre garantidos e respeitados. Acesso à saúde não pode ser questão de sorte.
Pelo que li nos jornais, a Lília está ansiosa para voltar a rotina e sonha em estudar Direito. Alguém duvida que ela será excelente advogada?
Quem quiser ler a matéria, basta clicar aqui ou aqui sobre a luta dos pacientes do Hospital Fundão que permaneceu fechado por um bom tempo.
E aqui a boa notícia.
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