April 3, 2009

Todd

Ontem fiz a minha primeira visita como voluntária. Realizei um desejo que tinha desde 2002, logo depois da primeira cirurgia. Na época, quase que imediatamente senti uma vontade enorme, quase um impulso, de dividir a minha história com outras pessoas que estivessem passando por situação semelhante. Só que os médicos acharam mais prudente esperar, pois talvez eu não tivesse emocionalmente pronta para lidar com algo tão dramático.

Aceitei o conselho e esperei. Na minha cabeça, passados os cinco de espera, eu iria virar voluntária do INCA ou de qualquer outro hospital do câncer e contar par atodo mundo a minha história de ex-paciente curada. Mas a vida nem sempre toma os rumos que a gente espera e eu acabei me mudando para os EUA e ficando doente de novo. Só que desta vez, estava determinada a não respeitar prazo nenhum. E foi por isto que me envolvi com a American Cancer Society e com o Ulman Fund, que tem sido um lugar ótimo para mim, onde tenho conhecido pessoas fascinantes que lidam ou tiveram que lidar com problemas semelhantes aos meus.

Acabei descobrindo que eles tem um programa bem aqui no hospital e a Elizabeth, assistente social responsável por ele é um amor. Ontem tive a chance de conhecê-la melhor. É incrível como um almoço onde só se fala em doença pode ser tão prazeroso. Não me chamem de masoquista, mas a doença é só o "icebreaker" que serve para começar a conversa que passa por todos os temas -- trabalho, marido, amor, filhos, amigos e tudo mais que se possa imaginar. Ontem, durante o almoço, também conheci a Sharon, que é professora da Faculdade de Enfermagem e mãe de um sobrevivente de linfoma não-Hodgkins de vinte e poucos anos. As duas tem um astral maravilhoso!

Depois do almoço, a Elizabeth me pediu par avisitar o Todd, um jovem de 28 anos que ficou doente há dois, quando morava na Alemanha servindo na Força Aérea Americana. Na época, o tratamento surtiu efeito, mas no final do ano passado, ele teve uma recidiva. E eu sei muito bem como uma recidiva dói -- no corpo e na alma.

Respirei fundo, e junto com elas, peguei o elevador para o nono andar, onde Todd se recupera depois do transplante de células-tronco realizado em dezembro, se não me engano. Caminhamos por longos corredores que mais pareciam labirintos e enfim chegamos ao quarto dele, em frente à enfermagem. Por causa da baixa imunidade dele, desinfetamos as mãos e vestimos batas e máscaras descartáveis.

O quadro é triste. Todd está sozinho no quarto olhando para o nada. Sentado numa cadeira, ele me parece alto e forte, mas sua fisionomia é de cansaço e os sintomas de GVHD (graft-versus host disease) ou DECH (doença do enxerto contra o hospedeiro) são visíveis na pele. Faz mais de três meses que ele não sai do hospital e passa a maior parte do tempo no quarto sozinho.

A mãe veio de Des Moines, Iowa, onde a família mora, para cuidar do filho e não tem ninguém para dividir esta responsabilidade. Ontem à tarde ela havia saído para fazer umas compras para ele. Todd não tem família próxima e a mãe é a única pessoa que ele tem aqui. Ela está hospedada numa casa de apoio aos familiares de doentes de câncer, a poucos metros do hospital. Teve que abrir mão da própria vida para ficar aqui com o filho, que não tem previsão de alta.

Ao nos ver na porta, ele esboça um sorriso tímido. Não pode ver que sorrimos de volta para ele por causa da máscara. Espero que ele perceba pelo nosso olhar. Elizabeth faz as apresentações e começamos a conversar. Ele demonstra interesse em saber de mim, em saber que eu também tive recidiva e que estou vivendo uma vida normal. Digo a ele que ele também em breve vai voltar a sua vida de antes, é só uma questão de tempo.

O quarto é obviamente bem estéril e fora uns santinhos na parede, não há nada que revele personalidade. Pelos santinhos, penso que ele é católico, mas não falamos em religião. Todd diz que apesar de tudo é grato, pois o transplante de células tronco ao qual ele foi submetido tem surtido efeito. Ele me pergunta se a minha habilidade física voltou ao normal desde a cirurgia. E aí eu pergunto "Que habilidade física? Ela nunca existiu, nem antes nem depois da cirurgia. Sou preguiçosa e tenho que admitir!" Nós dois rimos juntos.

Elizabeth havia me dito que no início, Todd seria bastante reservado, mas não é isto que vejo. Sinto nele uma curiosidade e uma receptividade enormes. Também não noto reservas. Todd me fala sobre o Iowa, sobre a experiência na aeronáutica, onde ele é macânico de aviões, sobre a família e até sobre o povo de Maryland, que é estranho pacas! (Ainda bem que não sou só eu que acho!) Diz também que sempre teve vontade de conhecer o Brasil e eu respondo que ele deve realizar este sonho assim que ficar bom.

Falo então do meu blog e de como escrever me ajuda a lidar com meus medos e inseguranças. Conto a ele sobre as pessoas fascinantes que conheci no último ano. Cito uma em particular, a Paula, que caiu de paraquedas aqui no blog, e que depois de realizar um transplante há 15 anos tem uma vida normal. Todd sorri de orelha a orelha. "Quinze anos depois ela está bem e saudável?! Nossa! Isto é bom pra caramba!"

Ali entendo o motivo da minha visita e naquele momento penso que cumpri a minha missão, mais do que uma ex-paciente, sou uma contadora de histórias, não histórias de contos de fadas, mas histórias reais que venho colecionando desde que comecei a escrever meu blog. Histórias lindas e emocionantes, de gente de verdade, gente que um dia acreditou em milagre e derrotou as estatísticas, gente que provou que apesar dos pesares, viver é possível. Gente cujas histórias de vida devem deixar a Branca de Neve e a Cinderella morrendo de inveja, pois estas pessoas mágicas, como a Paula e tantas outras por aí, vivem uma vida de verdade, não estão presas às páginas de um livro ou à imaginação de poucos. Torço para que em breve o Todd seja mais um personagem de uma história real e feliz, pois jeito de galã ele já tem...

2 comments:

Paula said...

Dani...

Você é o máximo!! Encheu minha tarde alegria e emoção!! Assim que comecei a ler, pensei " nossa se pudesse, queria ajudá-lo", pois sei o que é estar sozinha em outra cidade só com minha mãe, a possibilidade de GVHD...e qual não foi minha surpresa?! Você lembrou de mim!!! Obrigada por ter dado esperanças a ele, você é um anjo!!
Tudo que eu queria na época era conhecer alguém assim como eu ou como VOCÊ!! Acredito que não te conheci por acaso, não sei porque acredito muito nisso!!
Beijos,você é uma querida!!
Paula

Cristina said...

Tenho orgulho de ter vc como amiga, fiquei emocionada com o seu relato. Fechando muito bem com muita positividade um domingo!