April 6, 2010

Desistir Nunca

Há alguns anos li um livro maravilhoso sobre a Dame Cecily Sounders, a fundadora do movimento de medicina paliativa moderna. Comprei o livro no St. Christopher's Hospice em Londres, durante uma visita com dois diretors do Inca. O lugar é impressionante e as pessoas que trabalham lá obviamente têm uma sensibilidade fora do comum, mas são todos unânimes ao dizer que tudo que se vê por lá é resultado da visão de uma mulher à frente de seu tempo, de uma mulher sensacional, que na época da minha visita estava prestes a morrer no mesmo santuário que havia criado anos antes.

Cecely Sounders tem uma história de vida impressionante, mas será para semrpe conhecida por ter revivido o movimento de medicina paliativa. Numa época que os recursos da medicina eram escassos e aos pacientes de câncer restava só esperar a morte em sofrimento extremo. Ela, que era enfermeira, resolveu estudar medicina aos 35 anos e se dedicar exclusivamente à medicina paliativa, um campo tão desconhecido quanto desprezado na época.

O que Dame Cecely dizia é que os pacientes de câncer eram os doentes renegados, principalmente quando a doença chegava a estágios avançados, quando os médicos entendiam que não havia mais nada a ser feito. Médicos são treinados para curar, ela diziam, e diante da impossibilidade de cura, se vêem frente a frente com suas limitações, o que para muitos é insuportável. Inconscientemente desistem do paciente, que fica isolado e sozinho em sua própria dor.

O triste é que apesar dos avanços da medicina nos últimos 40 anos, o cenário exposto por Dame Cecely não poderia ser mais atual. Vivi isto com o Todd ano passado, quando as visitas médicas se tornavam cada vez mais breves e esporádicas e vejo o mesmo com o Mário, toda vez que a médica entra no quarto está cercada por residentes e o paciente parece um objeto em exposição. Não há espaço para perguntas, para manifestações de carinho, para encorajamento. O medo de oferecer "falsas esperanças" a um paciente terminal parece maior do que a compaixão humana.

Acho que é aí que nós voluntários podemos fazer a diferença. Numa hora destas o paciente tem que saber que existe alguém ao seu lado, e na ausência de um médico, um psicólogo ou mesmo uma assistente social. Ontem, quando cheguei ao quarto do Mário, ele disse que ainda estava esperando a resposta da médica sobre a disponibilidade de algum estudo no MD Anderson. E a cada vez que ele fazia a pergunta, a resposta era diferente.

Na mesma hora, pensei na diferença que a organização do Blake fez durante a minha segunda cirurgia. Até hoje os médicos morrem de rir do caderno de anotações dele, mas todos dizem, sem exceção, que ele é o acompanhante ideal. Então na mesma hora desci e comprei um caderninho de anotações e uma caneta para o Mario. O doente de câncer já tem tanta coisa importante tirada dele, um mínimo de entendimento no gerenciamento da doença pode fazer uma grande diferença.

Juntos fizemos um plano. A Elizabeth iria imprimir a lista de estudos disponíveis e o Mário ficaria encarregado de mostrá-la à médica e pedir que ela identificasse o mais adequado a ele. Removendo os tantos empecilhos levantados por ela, achamos que chegaríamos à resposta mais rápido.

O Mário tem plena consciência de que no caso dele cura pode ser algo impossível, mas como ele diz, ele sempre lutou e disse que seu último desejo era "pelejar" até o final, para que sua família entendesse o quanto ele acha que viver vale a pena. Ao ir para o Texas, além do tratamento experimental, Mário espera conhecer sua sobrinha de pouco mais de um ano e ficar mais próximo dos irmãos que vivem lá.

E é justo isto que os médicos aqui parecem não entender. Nem sempre a cura é possível, mas um gesto de bondade, de humanidade pode ter um efeito impressionante. Ontem, quando disse ao Mário que na próxima semana iria começar a trabalhar e não conseguiria vê-lo dia sim dia não, ele disse que estava muito feliz por mim, mas ia sentir a minha falta. "Você nunca desiste de mim," foram as palavras dele. E esta foi a promessa que fiz não só a ele, mas a tantos outros amigos, que jamais desistiria deles e ficaria ao seu lado até o final. Eles já perderam coisas demais...

3 comments:

Anonymous said...

Aconteceu a mesma coisa comigo Dani. Larguei meu emprego de baba sem ter outro emprego em vista. Tinha te falado lembra? Pois eh. Mal sai de um emprego, fiz uma entrevista e consegui meu primeiro emprego de enfermeira! E eh o emprego q sempre quis, em NICU, com bebes!!! Estou amando pois eh um programa de residencia em enfermagem chamado Versant, entao a orientacao eh extensa e otima. E eu precisava disso ja que me formei no Brasil! Boa sorte pra gente!!! Bjos

Issana said...

Inspirada em você, mas também no Filipe, que partiu tão jovem, mas deixou uma linda lição para nós, passei num dia desses no Hemocentro de Brasília e fiz coleta pra doação de medula. É o mínimo que poderia fazer para homenageá-los, e agora divulgo a ideia entre muitas pessoas. Obrigada por compartilhar sua história conosco e por nos inspirar! Abraço fraterno.

Dani said...

Puxa, fico feliz com as novidades! Acho que temos que ter comragem para alcancar nossos objetivos.

Fiquei tocada com seu gesto tao bonito. O engracado e que eu conheci o Hemocentro de Bsb numa visita a cidade e achei o centro muito bacana.
Obrigada voce por tanta bondade. Tenho certeza que o Felippe esta vendo isto la de cima!

Bjs