Faz tempo que não venho aqui, mas com filho pequeno, trabalho novo, promoção e viagens, sobra pouco tempo para fazer qualquer coisa. Meus amigos e familiares bem sabem que telefonema meu só nos horários de sete às oito da manhã ou entre cinco e meia e seis e meia da tarde, do carro indo ou voltando do trabalho, graças ao Skype e ao Viber. Chegando em casa é aquela correria, filho, jantar, banho, historinha, cama. E no dia seguinte, tudo de novo.
O Joaquim é o maior milagre que aconteceu na minha vida e hoje não consigo nem imaginar nossa vida sem ele. Não estou aqui para reclamar da vida -- aliás não tenho motivo -- mas mal consigo me lembrar dos tempos que fazia aquilo que queria na hora que queria. Hoje, tudo tem que ser bastante planejado e muito bem negociado para que nem eu nem o Blake nos sintamos ainda mais sobrecarregados. Com a chegada do Joaquim também aprendemos que não somos mais senhores do nosso destino, e repondemos também a um senhorzinho de dois anos muito temperamental. Nossa vida virou um enorme jogo de erros, tentativas e acertos. E alguns planos que de início parecem maravilhosos volta e meia acabam em enormes fiascos. Tipo a nossa entrada na academia.
Depois de relutar bastante, finalmente resolvi que frequentar a academia seria bom pra família toda: O Joaquim faria natação uma vez por semana e nos outros dias ficaria na creche da academia enquanto eu e o Blake nos exercitaríamos. Ideia brilahte, né? Afinal o Joaquim vai para creche desde os três meses e adora esporte e na creche da academia tem tudo. O primeiro dia foi ótimo. Já podia imaginar o resto dos nossos finais de semana: cedo para a aula de natação, depois yoga/pilates e bicicleta, enquanto o Blake malhava e o Joaquim brincava com os amiguinhos na creche. Ideal! Só que este cenário idílico só durou UM DIA! No dia seguinte, enquanto eu estava na yoga, o Blake foi chamado pelo autofalante da academia -- Joaquim fazendo escândalo! E no fim de semana seguinte, a aula de natação, que no primeiro dia tinha sido ótima, foi um horror. O Joaquim não gostou nenhum pouco de seguir as ordens da professora. Então depois disso, o Blake e eu acabamos nos revezando em casa e na academia, o que não fazia o menor sentido, já que o objetivo era um programa em família. Pois é, ao que tudo indica, vamos cancelar a academia e aproveitar a piscina do condomínio. Quanto a mim, acho que vou ter que tomar coragem e enfrentar o eliptical lá do basement. Mas vamos combinar que para uma extrovertida preguiçosa, a ideia de passar meia-hora que seja suando no eliptical enfiada no basement é tão tentadora...quanto uma visita ao inferno. Mas vamos que vamos!
Minha sábia avó já dizia que ser mãe é padecer no paraíso. Agora te entendo bem, Vozinha. O negócio é que, ao contrário de muitas mulheres, meu sonho nunca foi ser mãe. Acho que até queria, mas nunca foi minha prioridade, até que me deparei com a real impossibilidade. Engraçado, né? Nunca fui daquelas mulheres -- e conheço várias -- que diziam que iam ter um filho de qualquer forma: casada, solteira, produção independente, com esperma de doador. Apesar de ser muito emocional, neste quesito sempre fui prática. Se eu tivesse um filho, queria que ele fosse resultado de um relacionamento bacana, queria ter um parceiro que estivesse tão investido no projeto de vida quanto eu. Acho que foi por isto que demorei tanto... A minha avó, sempre ela, já estava até me dizendo que eu poderia até esperar mas deveria logo congelar meus óvulos! Isto em 1999! Não disse que a minha avó era uma mulher à frente do seu tempo?
O fato é que o tempo foi passando e quando achava que estava pronta para engravidar, o câncer voltou e mudou completamente as regras do jogo. Quando adoeci pela primeira vez, aos 28 anos, nem me preocupei com a questão da fertilidade, afinal não fiz quimioterapia sistêmica, o tipo de câncer não tinha causa hormonal e eu não tinha nenhum plano de me casar. Mas cinco anos depois, a situação era completamente diferente: estava cinco anos mais velha, ia fazer um ano de casada e queria logo aumentar a família. Pois é, até a vinda do bebê tinha sido pensada. Por que não engravidei logo que casei? Porque tanto o Blake quanto eu achávamos que deveríamos primeiro construir um relacionamento sólido e estável primeiro. Um ano era o nosso prazo e como tudo estava indo maravilhosamente bem, já estávamos pensando em encomendar o bebê. Só que não foi bem assim. E vou dizer que quando recebi a notícia da recidiva, recém-casada, aos 33 anos, com um histórico de saúde complicado, foi um dos momentos mais difíceis da minha vida. Se receber a notícia de que você tem câncer é terrível, imagina receber a notícia de que ele voltou cinco anos depois, quando você deveria estar "curada"? E que todos aqueles planos maravilhosos que você tinha agora são pensamentos distantes. Só quem passou por isto sabe. Acreditem, ninguém quer saber.
Mas tudo bem, os dois anos passaram e recebi "permissão" para engravidar. Alguma pessoa normal consegue imaginar uma coisa destas? Sim, permissão de uma comissão internacional de seis médicos entre hepatologistas, oncologistas, ginecologistas, clínicos gerais e especialistas em reprodução assistida, da UFRJ e de Johns Hopkis. Claro que poderia ter engravidado sem a permissão de ninguém, ou ao menos ter tentado, mas calculo muito bem os meus riscos. E então depois de tentar engravidar sem sucesso durante um ano, a mesma comissão me autorizou a fazer a fertilização in vitro. E depois de dois meses, alguns exames invasivos, uns procedimentos, muitos exames de sangue, e de umas 200 injeções, consegui engravidar na primeira tentativa. Fiquei em estado de choque, pois para mim nada vem de primeira. Até senti uma culpa estranha, mas logo passou e quando o Joaquim nasceu saudável e cheio de atitude, entendi que a tranquilidade tinha acabado ali.
O que muita gente não conseguia entender é que depois de tanto sofrimento e esforço eu sequer pensava em largar minha carreira para ficar em casa com o meu filho. Pois é, isto nem me passava pela cabeça -- culpa da minha mentalidade de neta de imigrante que acha que sucesso é igual à carreira ou da minha veia workaholic. A verdade é que só comecei a pensar seriamente no assunto maternidade quando vi amigas que tinham filhos pequenos indo a happy hour, saindo no fim de semana, sempre super arrumadas e muito estilosas. Longe de mim ser egoísta, mas virar bruxa depois de mãe, nem pensar! Eu achava mesmo que dava para dar conta de tudo: uma carreira bacana, um trabalho interessante, uma casa linda, filhos bem cuidados, um marido feliz e uma mãe bonita e bem arrumada. Santa inocência!
Olhando para trás, vejo que tinha uma visão completamente equivocada da maternidade. Pelo menos da maternidade nos EUA, onde você está certamente "on you own", usando uma expressão deles. Pois aqui não existe licença-maternidade: algumas empresas fazem a "caridade" de guardar sua vaga por 12 semanas enquanto você fica em casa com o bebê, mas você não recebe NADA por isto. Auxílio-creche? A mãe americana se vira como pode e o Tio Sam permite que você abata $5000 por ano do imposto de renda com despesas deste tipo. O que não contaram para ele é que aqui nos arrredores de DC, uma creche decente não sai por menos de $20.000 por ano! Só a creche -- fora as atividades extracurriculares. Família? Aqui, salvo raríssimas exceções, é cada um por si. Agora que o Joaquim está maiorzinho a minha sogra fica com ele uma noite por semana, o que é um prêmio, mas filho é responsabilidade dos pais e ponto final. Babá/nanny? Bom, aí já é problema meu, pois pelo preço que pagamos de creche, sem dúvida conseguiríamos contratar uma nanny. Só que a ideia de deixar uma estranha sozinha na minha casa cuidando do meu filho me dá calafrios. Sei lá, de repente leio muito jornal, thanks, but no thanks! A única pessoa que eu sequer cogitaria é a nossa housekeeper/cleaning lady/faxineira que vai lá em casa a cada duas semanas e é como se fosse da família. Mas como ela não pode, nem penso na hipótese.
E nesta vida corrida e maluca aqui nos EUA, tem dias que eu acordo e me sinto a supermulher por poder dar conta de tudo. Outros dias acordo me perguntando como é que vou conseguir fazer tantas coisas em 24 horas. Às vezes chego em casa me sentindo uma fracassada. Mas algumas vezes, depois de um dia produtivo no trabalho, quando consigo fazer um jantar legal e colocar o Joaquim para dormir, eu e o Blake trocamos um olhar cheio de cumplicidade e respiramos aliviados: missão cumprida -- amanhã tem mais. E numa época que as mulheres americanas se perguntam incessantemente se se pode ter tudo ao mesmo tempo, acho que tenho a minha resposta. Hoje, depois de uma viagem relâmpago a Porland a trabalho e de um fim de semana cuidando do pequeno que está com otite outra vez, vim para o escritório e o Blake ficou em casa de manhã com ele até a minha sogra chegar. Como diz a Hilary Clinton, it takes a village. Se pode ter tudo, não sei, mas pesno que se pode ter muita coisa, desde que se tenha um companheiro que tenha as mesmas prioridades que você. E nesta hora tenho que concordar com Sheryl Sandberg: a escolha mais importante que uma mulher faz na vida é a escolha de um marido (ou esposa). E a minha foi perfeita. Agora estou louca para ler Lean In. Depois volta para dizer o que achei!